Abri os olhos lentamente. Mais um noite que passara, mais um dia para o qual acordava.
Levantei-me lentamente da cama e fui até à janela. Abri a persiana do quarto e fiquei a observar momentaneamente as pessoas que se apressavam a ir para os seus trabalhos, que levavam os filhos para a escola, que simplesmente gostavam de passear àquela hora...
Hesitante, preparei-me para ir para o consultório. Era dentista... Qual não era a ironia de ser formada numa especialidade médica que não salvava propriamente vidas... Refiro-me pelo menos àquelas que não consegui salvar, porque o mal delas era outro...
Os meus vizinhos conheciam a minha dor. Não fazia questão de a esconder. Era tão real para mim, que emanava sofrimento para os outros. Também deixara de me interessar pelo que os outros pensavam e quais os seus sentimentos.
Há dois anos, a melhor solução tinha sido fechar-me no meu casulo, isolar-me para não atingir ninguém com a minha revolta, com o meu ódio. Volvidos esses meses, esses dias, acomodei-me a essa situação e a minha melhor companhia era a minha solidão.