- Mas viste-os mesmo na...?
Interrompi-o.
- Vi-os aos beijos na sala. Deveriam estar tão absortos naquilo que nem deram pela minha entrada.
- A sério?! - a expressão dele passou de curiosidade para repugnância.
- Sim. Eu não consegui dizer nada. - Fiz uma pequena pausa e continuei - Senti-me tão enojada... tive uma enorme vontade de vomitar... Mas mantive-me firme, acho eu... Virei costas, deixei-lhe a chave de casa dele num móvel qualquer e fui-me embora. Olha, és a segunda pessoa que sabe disto, Miguel. Não consegui falar disto a mais ninguém, a não ser à Beatriz...
- Mas vocês encontraram-se depois? Para ele se explicar? Se é que havia alguma explicação...
- Ele veio cá a casa - falei, desviando a cara. Custava-me voltar a reviver aquela situação. - Ele tentou explicar-me as suas... as suas tendências... Disse-me que era comigo que queria estar, era a mim que amava, mas que não conseguia deixar de sentir uma enorme atracção e vontade de estar com aquele homem que vi... Senti-me tão magoada, tão traída, tão... - Senti que as lágrimas insistiam em descer rio abaixo, mas tentei segurar-me. Acho que ainda hoje é-me difícil pensar nisso - confessei. Não pensei que fosse tão doloroso ainda, mas era-o.
- Imagino!
Puxou-me para ele e deixou-me encostar a cabeça no seu ombro. Ficámos abraçados durante uns minutos, sentados no sofá de imitação de pele, até que eu interrompi o saboroso silêncio:
- Disseste que o teu pai tinha falecido - disse, hesitantemente, em voz quase inaudível.
- Sim - falou, a voz pesada de dor - Morreu há seis meses.
- Tiveste sempre contacto com ele?
- Pode parecer estranho, mas eu cresci com ele e com os meus irmãos.
- Não é nada estranho, acho eu... - Olhei para ele e acariciei-lhe o rosto triste e saudoso.
- O meu pai já tinha um filho com três anos quando eu nasci. Ele teve que admitir a traição à mulher. - pegou na minha mão, pousando-a em cima das suas pernas, roçando os seus dedos na minha pele.
- E a tua mãe como reagiu a tudo isto?
- Eu disse-te que a minha mãe era uma pessoa admirável... Ela descobriu que ele era casado, quando lhe disse que estava grávida. O meu pai inicialmente quis que a minha mãe fizesse um aborto, mas depois decidiu assumir as responsabilidades. Pelos menos foi o que me contaram... - Fez um pequeno sorriso forçado - Contou à mulher, então, que o pôs fora de casa...
- Pois, imagino que seja difícil aceitar uma coisa destas. Também não é fácil perdoar uma traição, eu que o diga, que não fui mesmo capaz... - senti que a minha voz transmitiu um ligeiro lamento e arrependi-me disso.
- Segundo sei, a minha madrasta acabou por o perdoar meses mais tarde, ou pelo menos fingir que o perdoava... Penso que foi mais pelo dinheiro do que propriamente pelo facto de o amar.
- Mas de certo o divórcio era mais rentável e ela não teria que conviver com ele... - constatei.
- Não sei quais eram os termos do acordo pré-nupcial, se é que havia... O certo é que ela voltou a viver com o meu pai. Entretanto, ele e a minha mãe chegaram a um acordo quanto à minha educação e eu andava de um lado para o outro... A minha madrasta não gostava quando a minha mãe me ia levar e buscar a casa dela. Sempre pensei que tenha sido por isso que ela engravidou por mais duas vezes e tentou outras tantas...
- Que mulher perversa! - exclamei.
- No fundo até é boa pessoa, mas é muito gananciosa e por vezes esquece-se que nem todos somos com ela...
- E a tua mãe no meio disto tudo? Ela gostava do teu pai.
- Pois, deixou de gostar...- o sorriso amarelo indicou-me que ele achava que isso era impossível. - A minha mãe colocou-se em segundo plano, como acho que todas as mães o deveriam fazer. Tentou seguir a vida dela. Nunca teve ninguém sério na vida dela e nunca levou ninguém para casa.
- Tu ainda vives com ela, não é?
- De vez em quando...