Desvendados os segredos, eu e a Beatriz decidimos convidar os nossos amigos mais próximos para um jantar lá em casa: a Sónia e o Pedro, a Inês e o Nuno e a eterna solteirona Verónica.
Apesar dos desentendimentos com a prima por diversos motivos, especialmente familiares, a Beatriz estava disposta a fazer uma pausa na sua rebelião contra a Verónica. Por mim e pela sua nova fase conturbada, chamada amor.
Optamos por um prato tipicamente portuense - a francesinha - bastante apreciada por todos e fiz o meu molho especial, que tinha aprendido com um aspirante a cozinheiro nos meus tempos da faculdade e que ao longo dos tempos fui aperfeiçoando ao meu gosto. Acompanhadas por excessivas doses de batatas fritas e cerveja fresca, o repasto foi um momento com enorme intensidade por todos, visto serem escassas as vezes que agora nos reuníamos assim.
No fim da refeição, em vez de nos dedicarmos à viciante jogatina das cartas ou de qualquer outro tipo de diversão, a Verónica propôs outra ideia:
- Meninas - não querendo ofender ninguém, - disse em tom de gozo - apesar da noite estar fria, que tal irmos até à praia beber um café?
- Cá para mim, Verónica, tens alguém de olho para aqueles lados. Não, espera, combinaste com algum homem mais novo lá? - insinuou a Sónia, enquanto acariciava a cabeça do meu gato, distraidamente, sentada no sofá.
- Não sejas cruel comigo. Oh, meu Deus! - dramatizou, levando as mãos à sua vasta cabeleira negra. - Não posso simplesmente querer estar com os meus amigos num local agradável, sem me apelidarem injustamente de promíscua?
- Bem - disse eu, levantando-me da cadeira, que fazia parte do conjunto da mesa de jantar - independentemente dos motivos da Verónica, acho boa ideia.
- Hoje não vais estar com aquele homem lindo de olhos verdes que vimos da outra vez? - perguntou a Verónica.
Mais uma vez eram elas que precisavam de me questionar. Tinha aprendido a guardar as coisas para mim e apesar de nos conhecermos há tanto tempo, eu não mudara. Não era uma questão de falta de confiança, simplesmente não escancarava a porta dos meus sentimentos naturalmente.
- Encontrei-o hoje de manhã em trajes diminutos aqui pelo corredor - lançou a Beatriz.
- O quê?! - retorquiu a V., colocando o braço em cima dos meus ombros, enquanto nos preparávamos para sair para o corredor do prédio - Isso já está assim tão avançado? Ele já passou aqui a noite? Troca-me isso por miúdos, querida. Quero saber todos os pormenores.
O bar ficava do lado oposto à Praia de Salgueiros e estava entre os muitos que se tinham estabelecido ali naquela zona. Não havia muitas pessoas na rua. A maioria tinha-se abrigado dentro dos cafés, devido às baixas temperaturas daquele Novembro. Nós dirigimo-nos ao Capitania Bar, local habitual quando íamos para ali.
A música normalmente estava num nível elevado, mas não era impeditivo para um diálogo entre as pessoas que optavam por aquele espaço; a luz, em vários tons azuis, era média, dando ao ambiente um aspecto sereno.
Vi-o mal entrei.
Como não poderia ver? Estava acompanhado por três homens e duas mulheres, de costas voltadas para a porta principal. Fingi. Tinha que fingir. Não havia outra solução.
Não dei indicação alguma a eles que ali estava ele e sentamo-nos tranquilamente numa mesa mais ao fundo, do lado contrário ao balcão, perto das casas-de-banho. Uma mesa no canto, como eu gostava.
Minutos depois, entre gargalhadas, pedimos as nossas bebidas e ele veio ter comigo.
- Fingiste que não me viste ou não me viste mesmo?
- Fingi - respondi, em tom baixo, sem o olhar.
- Pois, bem me parecia. Porque é que reagiste assim? Porque não vieste ter comigo, Ana?
Os rostos dos meus amigos estavam postos em mim, à espera que mantivesse aquela conversa, a fim de os esclarecer da situação.
- Qual delas é a tua mãe? Seja qual foir está bem conservada. - Olhei-o, depois de contemplar as duas figuras femininas.
- Acho que consegues perceber perfeitamente que nenhuma delas é a minha mãe. São amigas minhas.
- Pois...
- Porque raio estás a reagir assim?
Fitei-o. Ele voltou a fazer a mesma pergunta.
- Porra, Miguel! - bati com o punho na mesa, enquanto me levantava, os nossos olhares praticamente ao mesmo nível. - Mentiste-me!
- Como?!