Gostava de chegar cedo ao meu trabalho. Tudo estava silencioso, tudo estava quieto.
Saboreava longamente o meu café encostada aos armários que se encontravam à janela.
Solidão... Prolongá-la até não mais poder... Era o meu maior prazer, o meu maior crime.
Aquele consultório, que outrora sentira o meu prazer em tratar dos meus pacientes, hoje assistia a um cada vez maior afastamento humano. A minha bata branca, a minha máscara, as minhas luvas. Apenas um bom motivo para me esconder... Momentaneamente a pele da dentista sobrepunha-se à pele sofrida.
Deixara praticamente de ser mulher, de ser pessoa para passar a ser um monte de órgãos, de ossos andantes. A minha alma continuava à janela, ansiando que alguém lhe mostrasse o caminho certo para viver ou morrer.
Cor. Vermelho. Flor. Rosa.
Que fazia ali uma flor tão delicada como aquela naquele consultório desprovido de sensações?