Mais de dois meses se passaram desde a última vez que o vira.
No dia seguinte, Domingo, foi a penúltima vez que vira os meus pais. O meu humor negro atingiu níveis elevados, sentindo-me capaz de tecer a maior crueldade ao mais pequeno e inocente ser humano.
Voltara a ter vontade de me vingar de todos pela minha infelicidade, pela minha falta de confiança nas pessoas, como ele tinha dito, pela minha incapacidade de analisar caracteres.
Definitivamente, o Miguel era diferente daquele homem, daquele único homem com quem eu tivera um relacionamento sério. Mas foi tarde demais quando me apercebi, porque ele já tinha fechado a porta da minha casa e do seu coração.
Segunda-feira tinha sido um dia bastante negativo. Não conseguira arranjar concentração suficiente para fazer o meu trabalho e fui chamada à atenção, por duas vezes, pelo meu subalterno directo. Era, para mim, inadmissível ter este comportamento. Sempre me julgara suficientemente forte para separar as coisas. Contudo, não conseguia combater o sentimento de injustiça e impotência.
Tentei seguir a minha rotina como se nada se tivesse passado na semana anterior. Sentei-me na minha mesa habitual, bebi o meu café curto e folheei o jornal, pela segunda vez nesse dia.
Mas, qual lâmina espetada nas costas, ele fez exactamente o mesmo à minha frente. Sentou-se na sua mesa habitual, acompanhado pela papelada e o computador portátil, que já lhe eram tão característicos, e pediu uma cerveja.
Não fui capaz de permanecer impávida e serena perante aquela cena. Ele tinha-me ignorado... Mas acho que não o devia recriminar por isso. Eu tinha consciência de que a culpa tinha sido minha.
Tomei a decisão então de não regressar mais ao café da minha tia ao final da tarde, apenas à hora do almoço. Permitiria desta forma causar menos incómodo e desconforto a ambas as partes.
No Natal, fui a Bragança. Esta festividade familiar tinha culminado numa troca de prendas espectaculares para as minhas sobrinhas, de todos os familiares ali presentes, e de palavras desagradáveis entre mim, a minha irmã, a minha mãe e a minha tia Celeste. Os restantes limitaram-se a servir de testemunhas num acto contínuo de cada encontro deste género.
Na passagem de ano, acompanhei os meus amigos até uma discoteca em Amarante, onde conheci o já famoso Jorge Silva, namorado agora assumido da Beatriz, e travei conhecimento também vários tipos de bebidas alcoólicas. Tinha sido uma noite feliz, não fosse a minha bebedeira ter duplicado ainda mais o meu sentimento de culpa em relação ao Miguel. Como seria óbvio, descontei em todos os meus amigos a minha frustração.
O mês de Janeiro passava e eu cada vez mais me absorvia pelo trabalho, a única coisa que me dava prazer e segurança. As minhas noites eram pautadas pela solidão extrema, que um gato vadio já não suprimir e por um copo de vinho tinto, que normalmente significava uma a duas garrafas vazias.
A Beatriz, a minha grande amiga e confidente, vivia agora num apartamento de três assoalhadas, com o seu luso-francês, que abdicara de tudo para ficar com ela...