Cheguei à minha casa e arrumei o que estava dentro dos sacos, que a minha tia, que morava em Rio Tinto, me trouxera de Bragança.
Tirei os saltos altos, a saia justa cinza escura pelo joelho e desabotoei a blusa de seda vermelha. Vesti umas calças de algodão e um pólo velho.
Iria entreter-me nas próximas horas a arrumar a casa, preparando o meu pequeno lar para receber visitas no dia seguinte ao início da noite e a cozinhar, focando-me na doçaria, fazendo um bolo de chocolate e outro de bolacha, com creme de chocolate e café. Tal como as minhas sobrinhas gostavam.
Tinha que manter a mente ocupada. Não queria pensar no significado daquele beijo, que ainda me parecia tão irreal. Não queria pensar que ele tinha razão. Não queria pensar que tinha perdido a oportunidade de ser feliz ao lado de alguém que eu amava e que o sentimento era retribuído. Não queria...
Peguei no telemóvel e procurei o número dele. O toque de chamada fez-se soar e o meu coração acelerou.
- Miguel? - falei, quando ouvi um cumprimento abafado - É a Ana. Eu queria...
- Desculpe, não é o Miguel - disse a voz feminina, embaraçada - Éa Carmo. Posso ajudá-la em alguma coisa?
- Não - respondi, já arrependida por aquele acto inconsciente. - Eu depois volto a ligar. Não há problema.
- Espere. Já me estou a recordar. O Miguel falou-me de uma Ana há uns meses, mas depois de repente não ouvi mais falar nesse nome. É você?
- É possível. Eu depois volto a ligar - menti, preparando-me para desligar.
- Espere - pediu mais uma vez. - Acho que ele está a sair do banho. Eu vou passar-lhe o telemóvel. Filho...
O meu coração não parou de palpitar.
Segundos depois, ele atendeu a chamada, mas hesitei em falar.
- Ana, - ouvi do outro lado - ainda estás aí? Ana?
- Sim, estou - acabei por responder - Espero não ter interrompido nada...
- Claro que não. Acabei de chegar de um jogo de futebol. Agora pratico futebol com uns amigos às quintas-feiras... Ana, porque +e que ligaste? Até me admiro ainda teres o meu número depois destes meses sem nos vermos.
- Pois - respirei fundo. Levantei-me do sofá, onde tinha acabado de me instalar e voltei a gastar a sola dos chinelos entre a sala e o corredor longo e estreito. - Olha, acho que depois do que aconteceu hoje, devíamos conversar.
- Acho que não, Ana. Deixaste isso claro há dois meses e hoje fizeste o mesmo.
- Mas agora digo o contrário, Miguel. Eu queria-me encontrar contigo para podermos conversar. Amanhã não posso, mas pensei que podíamos combinar para sábado. Talvez para o final da tarde - levei a mão ao cabelo, penteando-o nervosamente, à espera da resposta dele. Se ele aceitasse, ainda consegui passar algum tempo com a minha irmã, sem receber a cobrança final, de que preferia estar com os meus amigos do que com a minha família.
- Está bem - ouvi-o dizer, ainda que me tivesse soado a uma decisão relutante - Queres que vá ter aí a tua casa?
- Só se quiseres ir para um lugar público... - aventurei.
- Não, Ana, não há problema. Encontrámo-nos em tua casa. Pode ser então às sete?