O empadão estava pronto para ir ao forno a gratinar, quando a campainha tocou. Limpei as mãos ao pano azul axadrezado e tirei o avental, saindo da cozinha, deitando em seguida o olhar sobre a sala.
O acto contínuo foi abrir a porta ao meu convidado.
- Olá, Miguel. Entra. Não estava a contar contigo tão cedo - comentei, olhando o relógio, que mostrava que ainda faltavam quinze minutos para a hora que tínhamos combinado.
- Quero resolver esta situação... Mas o que é isto? - perguntou ao dar um passo dentro da sala - Decidiste apresentar-me ao teu namorado, é isso? - Tinha avançado mais um pouco e ao falar, apontou para o André e virou-se para mim, com os olhos a soltarem faíscas. - Ou foi por isso que não te agradou que tivesse vindo mais cedo? Não tiveste tempo de o despachares. Agora quem é o idiota? Que burro que fui ao pensar que... Bem, não estou aqui a fazer nada . Vou-me embora.
- Espere, Miguel - pediu o André. - Isto é um mal-entendido. Eu sou cunhado da Ana, marido da Tânia. Desculpe, eu realmente já devia ter saído - lamentou-se. Levantou-se do sofá e deu um passo em direcção ao Miguel, que já estava perto da porta - Sabe, eu não gosto de shoppings e estava a adiar o mais que podia para ir ter com as minhas filhas e a minha mulher. - Aproximou-se de mim e pegou na minha mão - Se soubesse que ele iria reagir assim à minha presença, já me tinha ido embora. Podias-me ter avisado... Lamento. Apesar de tudo - falou, aumentado um pouco do tom de voz ao dirigir-se para o Miguel - foi um prazer conhecê-lo.
Ouviu-se o bater da porta e o Miguel virou-se para o interior da sala, onde eu me mantinha quieta, apreciando o trabalho que tivera ao preparar a mesa para o jantar, sentido o acelerar do coração.
- Que sensação de deja vu - bradou ele, levantando os braços para o ar. - Preparaste isto, não foi? - Depois apontou-me um dedo acusatório à face. - Para eu saber que é fácil um pessoa entender mal as coisas... - O corpo e o o olhar dele desviaram-se para as duas grandes janelas da divisão, que tinham as cortinas azuis encostadas a um canto, deixando antever vários prédios no horizonte, até ver o mar. - Pensei que chegava aquilo que sentias para me fazer ver que podíamos tentar novamente...
Miguel, - pronunciei, finalmente, dirigindo-me a ele. Pousei ligeiramente as minhas mãos nas suas costas, ainda com receio da sua reacção. - não preparei nada, acredita em mim, por favor. Eu sei que te podia ter dito que a minha irmã ia estar cá, mas também não pensei que realmente viesses... Tive as minhas dúvidas até ao úlitmo momento...
- Tiveste?! - perguntou, virando-se para mim, fazendo-me recuar dois passos - Não me parece. - Apontou para mesa, onde constavam dois toalhetes, dois pratos e por aí fora, acompanhados por dois castiçais ainda apagados.
- Olha para mim, Miguel - peguei na mão dele e entrelacei os meus dedos nos deles, sem sentir qualquer entrave - Se te convidei para vires cá foi porque queria estar contigo - um calafrio atravessou-me a espinha, fazendo-me por pouco desistir do meu discurso ensaiado várias horas antes - A culpa foi minha por termos acabado daquela maneira...
- Sem sequer termos definido fosse o que fosse - comentou.
Sentei-me no sofá e coloquei os meus cotovelos nas minhas pernas, enquanto massajava a cabeça, bem na parte de trás na nuca. Respirei fundo e voltei-me para ele.
- Sinceramente achava que não era preciso falarmos sobre o que se passava entre nós. As coisas foram-se passando, sem grande pressão, mas de cada vez que estávamos juntos, tudo parecia tão certo, tão verdadeiro... - admiti - Mas acho que percebi isso tarde demais. Não aceitei muito bem o facto de me dizeres que me amavas e também não estava disposta a aceitar o facto de realmente estar a retribuir o sentimento. Foi tão fácil para mim duvidar de tudo o que se tinha passado naquela semana... Olha, Miguel, demorei estes meses a processar tudo e se calhar foi tempo demais... Não sei... Mas queria que me dissesses, para não continuar a pensar no erro que cometi, se teríamos a possibilidade de recomeçar...
- Não te cheira a queimado? - questionou, tentando perceber se o aroma negativo vinha da minha casa.
- Porra, esqueci-me do empadão - levantei-me e corri para a cozinha. Agarrei na pega e abri o forno. Já não havia empadão para ninguém.
Ele tinha vindo atrás de mim. Dirigiu-se para a janela e abriu-a.
Deu uma gargalhada e olhou-me
- Recomeçamos bem, senhora cozinheira, com comida queimada... Bem, vou encomendar uma pizza!
FIM