Foi sem grande emoção que recebi a chamada na minha loja, no centro da Maia, sobre o falecimento do meu pai, esse velho ranzinza, que tinha transformado a minha vida num inferno desde cedo.
A voz da minha mãe estava demasiado trémula para continuar a falar e foi, portanto, a vizinha Noémia a notificar-me que um ataque cardíaco tinha sido fatal no seus já ínfimos problemas de coração e que o funeral se iria realizar talvez no dia seguinte. Como tinha falecido em casa, aguardavam pelos serviços da agência funerária.
Ironicamente senti necessidade de dar apoio à minha progenitora, ao contrário do que ela fizera comigo. Por conseguinte, anunciei o facto, fingindo uma ligeira dor, à minha funcionária, e fechei a loja, com o devido motivo escancarado na porta.
Hoje e amanhã, a sapataria estaria encerrada. Mas na quinta-feira iria reabrir com a minha presença ou com a simples supervisão da minha colaboradora, que me substituía aquando das minhas ausências.
Dirigi-me para minha casa, passando por duas rotundas, a última ladeada pelo tio McDonald's, e virei na segunda rua à direita, para depois virar novamente à direita. Segui uns metros e estacionei o carro, caminhando de seguida para a minha entrada. Morava no rés-do-chão, num apartamento de dois quartos e uma sala bem iluminada pelas lâmpadas exteriores.
Em quase seis horas da tarde. O dia ainda permanecia ligeiramente claro, com o sol no longínquo horizonte. Estávamos no final de Fevereiro.
Peguei numa pequena mala de viagem e coloquei algumas peças de roupa, além dos objectos necessários para higiene pessoal.
A viagem não ia ser longa, mas os próximos dias seriam...