Fui criada pelos meus avós numa velha casa para lá de Valongo. Não sabia quem era o meu pai e a minha mãe era alguém que se preocupava mais com a satisfação profissional do que maternal. Como tal, abandonou-me à porta deles e acenou-me com um longo beijo, assegurando-me que tudo iria ficar melhor a partir daquele momento.
Eu tinha nove anos.
Ele estava ali. Não era mentira nenhuma.
De repente, tinha-me transformado numa adolescente, excitada com a presença do rapaz pelo qual se interessava.
Há dois anos... Há dois anos tudo tinha ficado em suspenso, por causa daquela tragédia. Todas as pessoas ficavam recosas na minha presença, devido às minhas reacções cheias de ódio, ira e revolta. Todos os sentimentos negativos relativos a uma perda daquela dimensão, estavam vincados no meu olhar, nos meus gestos, nas minhas palavras. Mas ele não. Ele tentou aproximar-se finalmente de mim. Só que não entendeu que ninguém, além da própria Morte, poderia curar tal dor.
Eu deixara de ser quem ele conhecia. Tinha-me tornado num ser vazio de emoções positivas. Não conseguia ver nada para além da morte daquelas pessoas que eu tanto amava.
Porém, naquela precisa noite burocrática, ele estava ali novamente, com um sorriso nos lábios.
Levantei-me da cadeira, em forma de respeito pela presença de superior hierárquico.
- Não te assustei , pois não? - perguntou.
Subitamente, tive a necessidade de largar a minha dor e entregar-me a algo mais saudável!