Indescritível... Que noite tinha sido aquela...
Talvez por há muito tempo não me entregar a um homem ou simplesmente por achar que sentíamos algo de verdadeiro um pelo outro, tinha sido a melhor noite de amor que tinha tido.
Conseguia dizer: "Sinto-me feliz!"
Mas até quando isso duraria? Uns meses, uns dias?
O aniversário da morte do meu avô aproximava-se a passos largos e eu não sabia se me sentia capaz de enfrentar tudo isso outra vez. O ano anterior tinha sido tão desgastante para mim... As marcas no meu corpo ainda eram visíveis. Porque não tinha conseguido? Porque a minha mãe lembrou-se que tinha uma filha e decidiu visitar-me no preciso instante em que a minha vida atingia o seu auge: o momento do meu suicídio. Sempre que olhava para os meus pulsos, recordava-me dessa tentativa falhada.
Talvez aquela ínfima esperança que eu ainda tinha fizesse com que este ano tudo fosse diferente. Talvez eu quisesse que este ano fosse diferente. Talvez...
- Eu estou aqui, Luísa, - disse-me ele - eu estou aqui. Não te esqueças disso. Não precisas de passar por este momento sozinha - acariciou-me o rosto e deu-me um suave beijo na boca.
Numa entrega intensa física e emocional, os nossos corpos despidos de preconceitos repousavam num estreito sofá.
Talvez pela primeira vez na vida, não sabia exactamente como descrever todas aquelas sensações que surgiam em mim. Talvez pela primeira vez deixara de pensar no passado, de viver o passado para sentir o presente.
Momentaneamente senti-me capaz de enfrentar as adversidades deste mundo cruel, que nos tira aquilo que nos deu com tanto amor... Momentaneamente senti que poderia haver uma cura para a minha dor. Momentaneamente não consegui desfazer um sorriso dolorosamente feliz da minha boca. Momentaneamente senti que nada podia acabar com aquele quadro de um casal... Casal... Quem diria que um dia poderia proferir esta palavra? Talvez antes de os ter perdido, tivesse pensado nisso...
Levantei-me e comecei a pegar nas minhas roupas.
A madrugada já ia alta e a luz fraca do dia começava a querer forçar a entrada pelas ripas do estore. Continuava sem saber se realmente queria acordar para a realidade... Não, tinha que sair dali...
- Não queres ficar mais um pouco? - perguntou ele.
Não se coibia de mostrar o seu corpo delineado por várias horas dedicadas ao ginásio.
A oferta era quase irresistível, não fosse faltarem pouco mais de duas horas para o consultório abrir.
- Vem almoçar então comigo - pediu.
Depositei-lhe um último beijo naqueles lábios deleitosos e dirigi-me para a saída.
Teria sido tudo um sonho?