... diversas razões e por nenhuma.
Razões válidas para mim que para ti poderão não ser.
Tenho a sensação de viver uma felicidade aparente. Sou feliz por te ter comigo, mas não substituis a falta que os meus avós (meus pais no fundo) me fazem. Talvez não faça sentido para ti, mas para mim sim".
Esta foi a nota que escrevi para ti, meu amor. Na esperança de me compreenderes, mas talvez sem saberes demais.
Ouço pela última vez a tua voz ao telefone. Amo-te.
A embalagem de antidepressivos jaz vazia em cima da mesinha de cabeceira. Em breve farão efeito.
Deito-me na cama. Quero estar confortável para quando a MORTE me vier buscar.
Adeus, meu amor.
Desculpa, mas já não aguentava mais.
Indescritível... Que noite tinha sido aquela...
Talvez por há muito tempo não me entregar a um homem ou simplesmente por achar que sentíamos algo de verdadeiro um pelo outro, tinha sido a melhor noite de amor que tinha tido.
Conseguia dizer: "Sinto-me feliz!"
Mas até quando isso duraria? Uns meses, uns dias?
O aniversário da morte do meu avô aproximava-se a passos largos e eu não sabia se me sentia capaz de enfrentar tudo isso outra vez. O ano anterior tinha sido tão desgastante para mim... As marcas no meu corpo ainda eram visíveis. Porque não tinha conseguido? Porque a minha mãe lembrou-se que tinha uma filha e decidiu visitar-me no preciso instante em que a minha vida atingia o seu auge: o momento do meu suicídio. Sempre que olhava para os meus pulsos, recordava-me dessa tentativa falhada.
Talvez aquela ínfima esperança que eu ainda tinha fizesse com que este ano tudo fosse diferente. Talvez eu quisesse que este ano fosse diferente. Talvez...
- Eu estou aqui, Luísa, - disse-me ele - eu estou aqui. Não te esqueças disso. Não precisas de passar por este momento sozinha - acariciou-me o rosto e deu-me um suave beijo na boca.
Numa entrega intensa física e emocional, os nossos corpos despidos de preconceitos repousavam num estreito sofá.
Talvez pela primeira vez na vida, não sabia exactamente como descrever todas aquelas sensações que surgiam em mim. Talvez pela primeira vez deixara de pensar no passado, de viver o passado para sentir o presente.
Momentaneamente senti-me capaz de enfrentar as adversidades deste mundo cruel, que nos tira aquilo que nos deu com tanto amor... Momentaneamente senti que poderia haver uma cura para a minha dor. Momentaneamente não consegui desfazer um sorriso dolorosamente feliz da minha boca. Momentaneamente senti que nada podia acabar com aquele quadro de um casal... Casal... Quem diria que um dia poderia proferir esta palavra? Talvez antes de os ter perdido, tivesse pensado nisso...
Levantei-me e comecei a pegar nas minhas roupas.
A madrugada já ia alta e a luz fraca do dia começava a querer forçar a entrada pelas ripas do estore. Continuava sem saber se realmente queria acordar para a realidade... Não, tinha que sair dali...
- Não queres ficar mais um pouco? - perguntou ele.
Não se coibia de mostrar o seu corpo delineado por várias horas dedicadas ao ginásio.
A oferta era quase irresistível, não fosse faltarem pouco mais de duas horas para o consultório abrir.
- Vem almoçar então comigo - pediu.
Depositei-lhe um último beijo naqueles lábios deleitosos e dirigi-me para a saída.
Teria sido tudo um sonho?
Cause I can't fight this feeling anymore .
I've forgotten what I started fighting for.
And if I have to crawl upon the floor,
Come crushing through your door,
Baby, I can't fight this feeling anymore .
Mas naquele preciso instante em que sobre a luz fraca do candeeiro ele ali estava, toda a minha dor perdia o sentido, a razão de ser. Toda aquela necessidade de o tocar afluía pelo meu corpo. O amor e o carinho que havia sentido por ele, ou que tinha pensado sentir por ele há dois anos atrás, regressava. Naquele preciso instante começava a tomar consciência que eu talvez fosse capaz de ver e sentir para além da dor e da revolta... Talvez...
Mas e ele? Será que ele retribuía tal sentimento? Talvez aquela rosa solitária deixada no meu consultório fosse o sinal... O sinal de que ele queria avançar mais uma vez, que ele queria tentar dar-me a mão mais uma vez e ajudar-me de alguma forma a passar essa cortina de fumo que me envolvia há demasiado tempo.
Era aquele o momento perfeito. Estávamos os dois sozinhos ali. Ninguém interromperia aquele momento perfeito. Ninguém... Apenas eu senão fosse capaz de concretizar aquilo que queria... Há mais de dois anos que nenhum homem me tocava... Deixara de permitir que as pessoas me tocassem... Deixara de me permitir sentir algo além da dor... Mas agora... Agora queria sentir, queria sentir-me viva nem que fosse apenas por algumas horas.
Ele aproximou-se e tocou-me no rosto. Nada dissemos, somente nos olhamos durante alguns segundos, como que nos pedindo permissão para nos tocarmos. Decidido ele beijou-me na face e depois nos lábios. Eu, timidamente, respondi-lhe, até ao ponto em que tudo deixou de existir à nossa volta, as pessoas, os sentimentos dolorosos e nos entregamos ao prazer da carne.
Link para o video da música acima referida: http://www.youtube.com/watch?v=jgWABKQpvqA