Tinha medo constante de adormecer. Tinha medo quando anoitecia. Dormir. Ficar acordada. Insónias. Ler um livro. Reviver lembranças. Chorar. João.
Empurrava os lençóis e o cobertor da cama, depois de vestir o pijama. Não me queria deitar. Televisão. Ficava ligada toda a noite, com a luz a iluminar todo o meu quarto, fazendo sombras nas paredes brancas e deslavadas.
Deitava-me. Fechava os olhos. Escuridão. Terrível escuridão que me assombras e me matas de cada vez que te tento alcançar e que tento impedir que me leves para esse mundo profundo de lembranças dolorosas. Avó. Avó, onde estás? Avó!
Chamo por ti, mas não me ouves. Como podes? O teu corpo está na minha presença, mas a tua alma fugiu para longe, fugiu não sei para onde, fugiu para um lugar onde não há solidão, onde não há tristeza. Estás com o avô? Leva-me contigo. Porque me deixaste sozinha?
Grito. Grito de comiseração. Salva-me, João! Salva-me, avó! Alguém me salve. Alguém me mostre como viver ou me deixem morrer.
... acho que essa era a palavra que me vinha à cabeça quando olhava para o João. Tinha tentado me agarrar à vida com um simples gesto de uma flor solitária no meu gabinete e uma declaração de amor, sabendo que eu deixara de ser a mulher por quem se tinha apaixonado.
Ninguém me podia salvar essa é que era a verdade. Apenas eu tinha o condão de me querer agarrar à vida e eu tinha consciência disso. Tinha consciência disso desde que me tentara suicidar pela primeira vez e, mesmo me arrastando com os meus sapatos de tacão alto, continuava a ver os dias passarem por mim, querendo, desejando realmente que alguém me salvasse, nem que esse alguém fosse a morte... Este ciclo de primaveras e invernos tornava a decisão adiável.
Quando fechava os olhos à noite na minha cama, sentia sempre um arrepio de frio, imaginando pela milionésima vez o corpo gélido da minha avó ao meu lado. Ela tivera uma morte tranquila, eu tinha uma vida recheada de pesadelos.