O esquivo sol de Novembro entrava levemente pelas frestas da persiana entreaberta e eu teimava em querer manter os meus olhos fechados, com os pensamentos longe, longe...
Acordar para mais um dia de uma vida sem objectivos não faz sentido. Talvez por isso, a pequena esperança de poder conhecer um homem e que este pudesse trazer algo de novo, me tivesse despertado o interesse naquele desconhecido de olhos verdes e cabelo castanho claro. Quase um deus grego... Que exagero...
Podia ser demais reduzir a minha felicidade à entrada de um homem na minha vida, mas a minha auto-estima estava em baixo e nem os apelos das amigas faziam que me orgulhasse da minha independência, da minha autonomia enquanto mulher.
Preguiçosa como sempre, fugi dos meus acolhedores lençóis térmicos e meti-me debaixo de um duche bem quente. Vesti-me com uma certa elegância - como me era característica nos dias laborais e em saídas com as amigas para um bar/ discoteca - e saí de casa, continuando sempre relutante em pôr um pé na rua.
Cheguei à empresa no meu pomposo automóvel e entrei para o meu exíguo espaço entre a secretária e o móvel da papelada. A rotina mais uma vez confirmou-se: fazer as encomendas do material para as peças de vestuário a confeccionar, fazer os processos das encomendas vindas do departamento comercial e enviá-las para a fábrica, etc., etc.... Nada de muito interessante... Whatever...
Almoço (entretanto com uma pausa para um lanchezinho a meio da manhã), vou tomar café com as colegas de trabalho àquele cafézito da esquina (àquela hora infelizmente o desconhecido não se encontra lá), regresso para o meu trabalho enfadonho (com mais uma pausa a meio da tarde) e aí sim volto para o momento de mudança - ou pelo menos possível mudança.
Ele está sozinho e eu não vou hesitar. Fui até à mesa dele. Encostei-me à cadeira em frente a ele e comecei com o meu discurso meio ensaiado:
- Já reparei que costumas vir aqui muitas vezes, especialmente ao fim da tarde - Que raio de modo de começar... - Eu trabalho aqui perto e também gosto muito de vir cá. A dona Celeste é muito simpática...
Ele olhava-me, atento, com um leve sorriso.
Eu senti que tinha cometido o maior erro dos últimos meses da minha vida...
- Sim, também reparei em ti. Chamo-me...
- Olá, Miguel, esperaste muito por mim? Sabes que a esta hora apanho sempre muito trânsito para vir para aqui. - disse uma mulher. Não a mesma da outra vez, era outra...
O meu rosto ruborizou. Conheço-me. Quando me encontro numa situação tão constrangedora assim, o meu rosto ruboriza.
Tirei o meu estúpido sorriso da boca e meti o 'rabinho entre as pernas'.