Sentada no exíguo escritório partilhado por um colega, que trabalhava lá há pouco mais de três meses, vi as horas passarem e os problemas a acumularem-se em vez de se resolverem. A preciosidade de quando tudo corre bem é demasiado importante, especialmente por se tratar de um final de dia que se mostra ser essencial para um relacionamento, pautado por desencontros e interrupções.
- Fiquei surpreso por me convidares a jantar em tua casa.
- Mas não fiques. Saí tarde do trabalho e não deu para ir ao café.
- Está bem, Ana. Posso entrar?
- Claro. Queres uma cerveja? - perguntei, enquanto me dirigia para a cozinha.
- Eu vou buscar. Precisas que te ajude em alguma coisa?
- Não. Vou só tirar o bacalhau do forno e podemos ir para a mesa.
- Vou ver se és boa cozinheira!
- Não tenho tido razões de queixa - sorri para ele.
No pouco tempo que sobrou entre tomar banho, para dissipar toda a frustração de um dia com problemas e reuniões, preparar o jantar e dispensar a companhia da Beatriz, ainda pude colocar a louça guardada para ocasiões especiais e dois candelabros.
Era evidente que há dois dias queria ignorar qualquer sentimento em relação ao Miguel, mas o problema era mesmo esse: já havia sentimentos. Quais? Ainda estavam por decifrar.
- Velas apagadas?! Isso é que não. Tens aí um isqueiro? - perguntou-me à soleira da porta, enquanto me observava.
- Tens aqui nesta gaveta - indiquei.
- Precisas de ajuda? - perguntou novamente.
- Não. Vá vamos para a mesa.
Poucas palavras trocamos, enquanto saboreávamos a comida e um bom vinho branco.
- Estás aprovada! Agora já sei que não passo fome, porque com as minhas capacidades culinárias não vou longe. Frito um ovo e pouco mais...
- Eu dou-te umas lições - retorqui, levantando o copo para brindarmos.
- Prometes?!