Mais de dois meses se passaram desde a última vez que o vira.
No dia seguinte, Domingo, foi a penúltima vez que vira os meus pais. O meu humor negro atingiu níveis elevados, sentindo-me capaz de tecer a maior crueldade ao mais pequeno e inocente ser humano.
Voltara a ter vontade de me vingar de todos pela minha infelicidade, pela minha falta de confiança nas pessoas, como ele tinha dito, pela minha incapacidade de analisar caracteres.
Definitivamente, o Miguel era diferente daquele homem, daquele único homem com quem eu tivera um relacionamento sério. Mas foi tarde demais quando me apercebi, porque ele já tinha fechado a porta da minha casa e do seu coração.
Segunda-feira tinha sido um dia bastante negativo. Não conseguira arranjar concentração suficiente para fazer o meu trabalho e fui chamada à atenção, por duas vezes, pelo meu subalterno directo. Era, para mim, inadmissível ter este comportamento. Sempre me julgara suficientemente forte para separar as coisas. Contudo, não conseguia combater o sentimento de injustiça e impotência.
Tentei seguir a minha rotina como se nada se tivesse passado na semana anterior. Sentei-me na minha mesa habitual, bebi o meu café curto e folheei o jornal, pela segunda vez nesse dia.
Mas, qual lâmina espetada nas costas, ele fez exactamente o mesmo à minha frente. Sentou-se na sua mesa habitual, acompanhado pela papelada e o computador portátil, que já lhe eram tão característicos, e pediu uma cerveja.
Não fui capaz de permanecer impávida e serena perante aquela cena. Ele tinha-me ignorado... Mas acho que não o devia recriminar por isso. Eu tinha consciência de que a culpa tinha sido minha.