À hora do almoço de quinta-feira, da semana de Carnaval, que se tinha revelado um fiasco, a Celeste disse-me para passar lá depois de sair do trabalho, sem querer adiantar-me o motivo para o tal pedido insistente.
Apesar de relutante, anuí e a faltar cinco minutos para as seis da tarde entrei no café. Aquele simples acto àquela hora trazia-me recordações que preferia nem me lembrar.
Encostei-me do lado de fora do balcão, enquanto aguardava que a Celeste viesse ter comigo. Deu instruções ao meu tio João para atender os clientes seguintes e depois dirigiu-se a mim. Aproximou-se e sussurrou-me:
- Já sei porque é que ele deixou de cá aparecer nas últimas três semanas. Também já não aguentava vê-lo sempre tão triste...
- Tia! - repreendi.
Ignorou o meu protesto e prosseguiu:
- Nem quando aquelas duas mulheres vinham ter com ele, modificava. Acho que eram as irmãs...
- Foi para isso que me pediste para vir cá?
- Não, mas aproveito para te contar o que descobri há três dias. Estás sempre acompanhada pelas tuas colegas de trabalho, que não deu para falar contigo antes...
- Vai directa ao assunto, por favor.
- Bem, o certo é que eles mudaram os escritórios para Matosinhos. Acho que se associaram a uma empresa de publicidade de um conhecido do irmão do Miguel.
- Ainda bem, fico feliz que tudo esteja a correr bem.
- Já vi que preferes fingir que não estás interessada no assunto. Vou-te buscar umas sacas, com umas coisas que a tua tia Nela trouxe lá de Bragança, do quintal dos teus pais - Trouxe as duas sacas de plásticos em segundos e continuou a conversa, desta vez mantendo-se do lado de dentro do balcão - Tens aqui uns ovos caseiros, vê-se não os deixas estragar.
- Não sei porquê esta pressa. A Tânia recusou-se em trazer essas coisas? Ela vem cá este fim-de-semana e vai estar em minha casa...
- Não sejas picuinhas, Ana. A Nela veio de Bragança hoje e ofereceu-se para trazer estas coisas. Não sejas mal-agradecida. Além disso, sabes que normalmente a tua irmã ainda passa por Vila do Conde, para visitar a sogra e a cunhada.
- Está bem, está bem! - assenti, contrariada.
- Tens telefonado aos teus pais? A Nela disse-me que eles estão muito desiludidos contigo. Depois do que se passou no Natal, só telefonaste duas vezes...
- Acho que o mesmo se aplica a eles, tia - retorqui.
- Ora, Ana, a obrigação é tua como filha.
- O quê?! Que conversa é essa? Celeste, se os meus pais estão zangados comigo, eles que mo digam e não andem recados por outros.
Ponto final. O vício era tanto, que já não nem sequer eram capazes de serem frontais com as pessoas visadas.
Fiquei irada. Peguei nas sacas pesadas com alguma dificuldade e dirigi-me para a rua. Desci apressadamente os dois degraus para o passeio e mesmo antes de dar dois passos, fui contra uma figura masculina.