Não dormi durante a noite. As recordações eram tantas... Queria fazê-las desaparecer. Queria somente retomar a minha vida o mais rápido possível na Maia. Tinha fugido para não mais voltar!
Mas ali naquela casa, a maturidade dos meus quase trinta anos esfumara-se repentinamente e o receio da reacção das pessoas por alguma coisa errada que tenha feito regressava, penetrando nas entranhas do meu corpo que nem uma flecha.
Tomei um banho demorado e desci as escadas até à sala. Eram nove horas e já estavam conhecidos e desconhecidos a preencher os espaços vazios.
- Bom dia, Diana, se é que se pode dizê-lo... - disse a Noémia. - Espero que hoje já possas dar mais atenção à tua mãe.
- Onde é que ela está? - perguntei, dando mais um passo dentro da cozinha. Não tinha jantado e apesar da fome não ser muita, já bebia um café e comia um daqueles biscoitos feitos por ela.
- Tive que lhe dar um comprimido para dormir. - deu um suspiro e falou - Foi tudo muito rápido, sabes? O teu pai começou a sentir-se mal, deitou a mão ao peito e caiu inanimado no chão.
- Estava aqui, então? - trinquei uma bolacha e olhei-a. Tinha-a tido como uma segunda mãe, mas entretanto tanta coisa mudara...
- Sim. Chamamos a ambulância, mas já não adiantou de nada... - Tentou evitar uma lágrima. Já eram amigos desde tempos imemoráveis. - Tens que falar com o senhor Augusto. - afirmou, parando de lavar uma louça que ficara do dia anterior e virou-se para mim - Ele é amigo da família. Não sei se te lembras dele.-- Bem, ele trabalha na funerária e ofereceu-se para tratar de tudo. Ontem, se tiveste oportunidade de reparar, o teu pai estava a ser preparado, o caixão já tinha chegado. Hoje, já o trouxeram para a sala. Tenho receio da reacção da tua mãe, ela...
Estas últimas palavras foram ouvidas por mim num mero abafo de sons, porque a minha atenção já estava virada para outro local.
Olhei-o, pálido e inerte, pensando como era possível que um homem com tanta energia, com tanta vontade de se impor por meio de berros e/ou violência física, pudesse estar tão quieto, tão sereno.
Subitamente, pareceu-me que os seus olhos abriam e a sua boca dizia: 'se te tivesses portado bem, não tinha que te bater. Se não me tivesses desautorizado, não te precisava de bater com o cinto. Isto é só para o teu bem, precisas de saber que a vida não é como nós queremos'.
O que eu tinha feito? Tinha ido correr para o pinhal, brincar com o Ricardo.