Nos últimos meses, publiquei um conto à volta de uma mulher que tinha tido uma grande desilusão e que teimava em não voltar a aproximar-se de um homem e consequentemente em não tentar voltar a ser feliz.
Começou tudo simplesmente com 'Olho-te, mas não te vejo. Procuro, mas não te encontro. Por onde andas, stranger?' e destas frases começou uma nova história de amor.
Chegou ao fim na passada sexta-feira e agradeço a todos os visitantes que a seguiram. Apesar de não ter recebido qualquer crítica a partir dos comentários - se gostaram ou não -, vou continuar a 'dar largas' à minha imaginação e em breve um novo conto irá aparecer, tendo sempre como personagem principal uma mulher.
Aguardo as vossas visitas e continuo à espera das vossas opiniões.
O empadão estava pronto para ir ao forno a gratinar, quando a campainha tocou. Limpei as mãos ao pano azul axadrezado e tirei o avental, saindo da cozinha, deitando em seguida o olhar sobre a sala.
O acto contínuo foi abrir a porta ao meu convidado.
- Olá, Miguel. Entra. Não estava a contar contigo tão cedo - comentei, olhando o relógio, que mostrava que ainda faltavam quinze minutos para a hora que tínhamos combinado.
- Quero resolver esta situação... Mas o que é isto? - perguntou ao dar um passo dentro da sala - Decidiste apresentar-me ao teu namorado, é isso? - Tinha avançado mais um pouco e ao falar, apontou para o André e virou-se para mim, com os olhos a soltarem faíscas. - Ou foi por isso que não te agradou que tivesse vindo mais cedo? Não tiveste tempo de o despachares. Agora quem é o idiota? Que burro que fui ao pensar que... Bem, não estou aqui a fazer nada . Vou-me embora.
- Espere, Miguel - pediu o André. - Isto é um mal-entendido. Eu sou cunhado da Ana, marido da Tânia. Desculpe, eu realmente já devia ter saído - lamentou-se. Levantou-se do sofá e deu um passo em direcção ao Miguel, que já estava perto da porta - Sabe, eu não gosto de shoppings e estava a adiar o mais que podia para ir ter com as minhas filhas e a minha mulher. - Aproximou-se de mim e pegou na minha mão - Se soubesse que ele iria reagir assim à minha presença, já me tinha ido embora. Podias-me ter avisado... Lamento. Apesar de tudo - falou, aumentado um pouco do tom de voz ao dirigir-se para o Miguel - foi um prazer conhecê-lo.
Ouviu-se o bater da porta e o Miguel virou-se para o interior da sala, onde eu me mantinha quieta, apreciando o trabalho que tivera ao preparar a mesa para o jantar, sentido o acelerar do coração.
Cheguei à minha casa e arrumei o que estava dentro dos sacos, que a minha tia, que morava em Rio Tinto, me trouxera de Bragança.
Tirei os saltos altos, a saia justa cinza escura pelo joelho e desabotoei a blusa de seda vermelha. Vesti umas calças de algodão e um pólo velho.
Iria entreter-me nas próximas horas a arrumar a casa, preparando o meu pequeno lar para receber visitas no dia seguinte ao início da noite e a cozinhar, focando-me na doçaria, fazendo um bolo de chocolate e outro de bolacha, com creme de chocolate e café. Tal como as minhas sobrinhas gostavam.
Tinha que manter a mente ocupada. Não queria pensar no significado daquele beijo, que ainda me parecia tão irreal. Não queria pensar que ele tinha razão. Não queria pensar que tinha perdido a oportunidade de ser feliz ao lado de alguém que eu amava e que o sentimento era retribuído. Não queria...
Peguei no telemóvel e procurei o número dele. O toque de chamada fez-se soar e o meu coração acelerou.
- Miguel? - falei, quando ouvi um cumprimento abafado - É a Ana. Eu queria...
- Desculpe, não é o Miguel - disse a voz feminina, embaraçada - Éa Carmo. Posso ajudá-la em alguma coisa?
- Não - respondi, já arrependida por aquele acto inconsciente. - Eu depois volto a ligar. Não há problema.
- Espere. Já me estou a recordar. O Miguel falou-me de uma Ana há uns meses, mas depois de repente não ouvi mais falar nesse nome. É você?
- É possível. Eu depois volto a ligar - menti, preparando-me para desligar.
- Espere - pediu mais uma vez. - Acho que ele está a sair do banho. Eu vou passar-lhe o telemóvel. Filho...
O meu coração não parou de palpitar.
Segundos depois, ele atendeu a chamada, mas hesitei em falar.
- Ana, - ouvi do outro lado - ainda estás aí? Ana?
- Sim, estou - acabei por responder - Espero não ter interrompido nada...
- Claro que não. Acabei de chegar de um jogo de futebol. Agora pratico futebol com uns amigos às quintas-feiras... Ana, porque +e que ligaste? Até me admiro ainda teres o meu número depois destes meses sem nos vermos.
- Pois - respirei fundo. Levantei-me do sofá, onde tinha acabado de me instalar e voltei a gastar a sola dos chinelos entre a sala e o corredor longo e estreito. - Olha, acho que depois do que aconteceu hoje, devíamos conversar.
- Acho que não, Ana. Deixaste isso claro há dois meses e hoje fizeste o mesmo.
- Mas agora digo o contrário, Miguel. Eu queria-me encontrar contigo para podermos conversar. Amanhã não posso, mas pensei que podíamos combinar para sábado. Talvez para o final da tarde - levei a mão ao cabelo, penteando-o nervosamente, à espera da resposta dele. Se ele aceitasse, ainda consegui passar algum tempo com a minha irmã, sem receber a cobrança final, de que preferia estar com os meus amigos do que com a minha família.
- Está bem - ouvi-o dizer, ainda que me tivesse soado a uma decisão relutante - Queres que vá ter aí a tua casa?
- Só se quiseres ir para um lugar público... - aventurei.
- Não, Ana, não há problema. Encontrámo-nos em tua casa. Pode ser então às sete?
Fechei os olhos contra o impacto de peito contra peito. Fechei os olhos na esperança que fosse quem eu desejava...
Um toque no meu queixo. Foi suave, apesar da pele dos dedos ser ligeiramente áspera.
Reuni forças para enfrentar. Abri os olhos e deparei-me com aquele verde azeitona, que sempre me tentara.
Em instantes, os nossos rostos aproximaram-se. Perto. Demasiado perto.
Sentia tensão. Sentia desejo de...
Ele tocou os seus lábios nos meus e num ápice o beijo passou de um simples acto de carinho para algo de mais intenso, mais fogoso... Tal como na primeira vez.
Depois de desfrutar daquele gesto tão íntimo, tão especial, a minha mente tornou a ganhar consciência e afastei-me.
- Não - sussurrei, sem contudo me afastar dele totalmente - Isto não pode estar a acontecer... Eu... Nós...
- Não precisas de dizer mais nada, Ana. - Recuou um passo e o seu olhar tornou-se distante - Já entendi. Eu não devia ter-te beijado. Eu sei. - E com estas palavras deixou-me e entrou no café.
- Miguel... - murmurei e meti-me no meu carro em direcção a minha casa.
À hora do almoço de quinta-feira, da semana de Carnaval, que se tinha revelado um fiasco, a Celeste disse-me para passar lá depois de sair do trabalho, sem querer adiantar-me o motivo para o tal pedido insistente.
Apesar de relutante, anuí e a faltar cinco minutos para as seis da tarde entrei no café. Aquele simples acto àquela hora trazia-me recordações que preferia nem me lembrar.
Encostei-me do lado de fora do balcão, enquanto aguardava que a Celeste viesse ter comigo. Deu instruções ao meu tio João para atender os clientes seguintes e depois dirigiu-se a mim. Aproximou-se e sussurrou-me:
- Já sei porque é que ele deixou de cá aparecer nas últimas três semanas. Também já não aguentava vê-lo sempre tão triste...
- Tia! - repreendi.
Ignorou o meu protesto e prosseguiu:
- Nem quando aquelas duas mulheres vinham ter com ele, modificava. Acho que eram as irmãs...
- Foi para isso que me pediste para vir cá?
- Não, mas aproveito para te contar o que descobri há três dias. Estás sempre acompanhada pelas tuas colegas de trabalho, que não deu para falar contigo antes...
- Vai directa ao assunto, por favor.
- Bem, o certo é que eles mudaram os escritórios para Matosinhos. Acho que se associaram a uma empresa de publicidade de um conhecido do irmão do Miguel.
- Ainda bem, fico feliz que tudo esteja a correr bem.
- Já vi que preferes fingir que não estás interessada no assunto. Vou-te buscar umas sacas, com umas coisas que a tua tia Nela trouxe lá de Bragança, do quintal dos teus pais - Trouxe as duas sacas de plásticos em segundos e continuou a conversa, desta vez mantendo-se do lado de dentro do balcão - Tens aqui uns ovos caseiros, vê-se não os deixas estragar.
- Não sei porquê esta pressa. A Tânia recusou-se em trazer essas coisas? Ela vem cá este fim-de-semana e vai estar em minha casa...
- Não sejas picuinhas, Ana. A Nela veio de Bragança hoje e ofereceu-se para trazer estas coisas. Não sejas mal-agradecida. Além disso, sabes que normalmente a tua irmã ainda passa por Vila do Conde, para visitar a sogra e a cunhada.
- Está bem, está bem! - assenti, contrariada.
- Tens telefonado aos teus pais? A Nela disse-me que eles estão muito desiludidos contigo. Depois do que se passou no Natal, só telefonaste duas vezes...
- Acho que o mesmo se aplica a eles, tia - retorqui.
- Ora, Ana, a obrigação é tua como filha.
- O quê?! Que conversa é essa? Celeste, se os meus pais estão zangados comigo, eles que mo digam e não andem recados por outros.
Ponto final. O vício era tanto, que já não nem sequer eram capazes de serem frontais com as pessoas visadas.
Fiquei irada. Peguei nas sacas pesadas com alguma dificuldade e dirigi-me para a rua. Desci apressadamente os dois degraus para o passeio e mesmo antes de dar dois passos, fui contra uma figura masculina.