O café fazia esquina entre a rua principal da igreja e um outra via secundária. Pertencia a um antigo ciclista, participante por diversas vezes da Volta a Portugal e àquela hora do dia era frequentado por trabalhadores, que partilhavam situações diárias, acompanhadas por uma cerveja bem fresquinha.
- A tua mãe anda muito estranha - começou o Ricardo, depois de bebericar o café.
- Não sei qual é a novidade - retorqui, olhando o meu copo de Coca-Cola.
- Pois, isso também é verdade, mas a questão é que... Olha, isto vem tudo a propósito de uma conversa que a minha mãe teve ontem lá em casa. Diz que a tua mãe está a afastar toda a gente lá da vossa casa, é áspera, rude. Até mesmo com a sua amiga de anos.
- Ricardo, ela está revoltada com a perda do meu pai. Ele era tudo para ela.
- Não sei não, Diana. Ela costumava gostar de estar com a casa cheia com as vizinhas, gostava de partilhar receitas com a minha mãe... Sei lá, pequenas coisas, que a minha mãe começa a ressentir, começa a ver que estão diferentes.
- Sinceramente, Ricardo, não sou a melhor pessoa para falares sobre isso, primeiro porque nunca me dei muito com ela e segundo porque saí de casa há já vários anos, ou seja, perdi todo e qualquer contacto com a minha mãe. Depois, volto a repetir, acho que tu e a tua mãe estão a exagerar. É mais que natural ela querer estar sozinha nesta altura, está a tentar recuperar da perda.
- O mais certo é teres razão, Diana - afastou a chávena, depois de dar o último gole na curta bebida e disse - A minha mãe é que me pediu, ainda não sei bem porquê, para falar contigo hoje.
- A minha mãe expulsou-me hoje de casa, Ricardo - desabafei - Fui lá antes da missa e ela expulsou-me. Só queria saber como ela estava e acusou-me de ser a culpada pela morte do meu pai ou algo do género. Ela estava aos gritos, nem percebi bem porquê. - bebi o resto da cola e suspirei. Definitivamente já não me devia espantar com isso... - Bem, parece que estão a preparar-se para fechar o café. É melhor irmos embora.
- Tensa razão. Jantámos juntos?
O convite foi feito como se tivéssemos contacto diário, como se a nossa amizade, a nossa relação não tivesse tido um interregno de anos. Surgiu tão naturalmente, que anui sem pensar muito no assunto.
- quer dizer, não sei se já tens planos...
- Não, não tenho. Claro que podemos jantar juntos.