A viagem de Canelas para a Maia de carro foi feita envolta num intenso nevoeiro de dor, sofrimento, lágrimas e uma imensa agonia no estômago.
Depois de passarmos a tarde de Domingo juntos, de mão dada, recordando os nossos momentos de amor e carinho, o Tiago voltou a dormir lá em casa e acordámos de manhã, abraçados um ao outro. Sentia, com sinceridade, que estava ali a altura perfeita para recomeçarmos, após estes meses de separação. No final do dia, ele apareceu na loja e levou-me a jantar fora.
Porém, estes momentos idílicos rapidamente foram quebrados, quando nos dois dias seguintes não recebi um único telefonema da parte dele.
E agora exaltava-se porque eu não estava em casa? Porque eu estava a jantar com o Ricardo? E o que ele andou a fazer naqueles dois dias? Somente a trabalhar, a ir ao ginásio e a ir para casa dos pais?
Acho que me sentia ainda mais magoada do que no dia em que tomei a decisão de nos separarmos. Naquela altura, conseguimos manter o elo de amizade em nome do amor que ainda nos unia e como tal era, com relativa frequência, que nos víamos tanto em negócios como fora deles. Mas agora... Agora sentia que isso já não era possível.
- O que estás aqui a fazer, Tiago? - perguntei, ao vê-lo junto a um pilar da entrada coberta do prédio.
- Vm...
- Não achas que já ficou tudo dito ao telemóvel?
- Não - respondeu, lacónico.
- Sai daqui, Tiago, vai-te embora! - retorqui, levantando um pouco o tom de voz. - Sai daqui. - repeti.
Abri a porta principal e dirigi-me para o apartamento. Ele seguiu-me sem que eu o pudesse impedir.
- Eu não sei o que tu queres, Tiago, mas eu quero que tu saias.
- Mas não me vou embora. Vim cá para te ver e para saber como estavas.
- Já viste e já sabes que estou bem. Agora vai!
- Posso entrar? - perguntou, no hall, enquanto me via a tentar abrir a porta.
- Não acredito! Afinal o que tu queres? Discussões? Não chega as que temos tido? - finalmente consegui entrar para casa e do lado de dentro, continuei com o meu discurso exaltado - Ora num momento estamos bem ora num outro estamos aos gritos um com o outro. Isto não é vida! Isto não é o que quero para mim. Estou cansada disso. E agora ainda andas ciumento, quando não há motivo para tal! Cansei de vez, Tiago. Só faltava decidir o que fazer aqui com a casa. Já não é preciso mais reuniões, mais adiamentos. Amanhã mesmo vou entrar em contacto com imobiliárias. Coloca-se a casa à venda e depois divide-se o dinheiro. Adeus!
Fechei-lhe a porta e agarrei com força o puxador, para concentrar toda a dor naquele acto inútil. As minhas pernas começaram a fraquejar. Todo o meu corpo estava a perder o controle e acabei por me deixar cair no chão gelado, na tijoleira castanha. Um mar de lágrimas desceu pelo meu rosto e fui dominada por um choro incontrolável. Apetecia-me gritar, insultá-lo; queria insultar o mundo pela vida injusta que me tinha proporcionado quando criança e adolescente e agora nesta fase adulta tão cruel.
Tinha-me afastado propositadamente do meu primeiro grande amor, para ambos podermos ter uma segunda oportunidade neste campo. Porém, agora perdia o Tiago, devido a discussões, a teimosias, à não aceitação de vontades próprias, a ciúmes... A tanta coisa que já tinha perdido a conta! Só me podia agarrar ao meu sofrimento, à minha infelicidade, à minha constante busca pela justiça na minha vida, que era infrutífera. Chorar. Era só isso que me apetecia fazer.
Naquele chão gélido, enrolei-me sobre o meu corpo e continuei a chorar na esperança estúpida que alguém abrisse a porta e me dissesse que tudo iria-se compor, tal e qual esperava depois de uma tareia do meu pai.
A noite estava fria e o céu pouco estrelado. Muitas nuvens se avizinhavam, para terminarem em chuva.
Foi com este pensamento que atendi a chamada do Tiago.
- Onde estás? - perguntou ele, depois de nos termos cumprimentado. A voz dele transmitia frieza, tipo interrogatório.
- Interrompeste o meu jantar - respondi.
- Pois, mas em casa é que não estás a jantar.
- Não, não estou. Estou num restaurante com o Ricardo.
- E eu aqui à porta de casa à tua espera, preocupado contigo, preocupado em saber como tinham corrido as coisas com a tua mãe, mas tu estás entretida a enfeitar-me a testa. Que corno manso que sou!
- Tiago, não admito que me fales assim - exigi, exasperada com aquelas palavras.
- Ai não? Então como queres que te trate, se em vez de estares com o teu marido, estás com outro homem?
- E lembraste-te disso hoje? E nos últimos dois dias? Que nem um telefonema me deste? Que nem sequer apareceste na loja?
- Tive muito trabalho. Tive reuniões que duraram até tarde.
- Sim, que nem te permitiram ir à casa-de-banho! - exclamei. - Poupa-me dessas lengalengas, Tiago.
- Quero que venhas para casa, Diana.
- O quê? Estás a brincar comigo. Mas desde quando é que te dei autorização para me falares assim? Diz-me! Realmente ainda pensei que podíamos voltar, mas agora não vejo como, Tiago. - desliguei-lhe o telemóvel e comecei a chorar.
Depois de alguns minutos de autocomiseração, decidi entrar para me despedir do Ricardo.
Sentei-me no meu lugar, frente a ele, e tentei não demonstrar aquilo que já era óbvio: dor.
- Vou ter que me ir embora, Ricardo. Desculpa, mas já não estou com disposição para comer seja o que for.. Só quero ir para casa.
- Mas o que se passa afinal? Estás a deixar-me preocupado.
- Não fiques. - respondi, perante o olhar carinhoso.
Depositei-lhe um beijo na face e saí.