Atendi a chamada no quarto, com o objectivo de ter privacidade, mesmo que não tivesse nada a esconder da Filipa.
- Pensei que podíamos tomar um café, Di. Gostava de saber como estás. Na quinta-feira, saíste tão triste do restaurante depois da chamada do Tiago... - começou o Ricardo.
- Não vai dar para nos encontrarmos. Não estou na loja. - sentei-me na cama, suspirei fundo. Queria que ele não fizesse mais perguntas.
- Isso sei eu. Estou em frente à tua loja e só vejo a tua empregada. - retorquiu. - Não estás a trabalhar, por isso podíamos ir a qualquer lado.
- Pois, Ricardo, mas não vai dar mesmo. Não estou na Maia e nem sequer estou no Porto.
- Então onde estás? - subitamente a sua voz transparecia alarme.
- Estou em Lisboa.
- Como assim em Lisboa?
- Vim cá passar uns dias. Espairecer a cabeça.
- Vou aí ter contigo então para tomarmos o tal café.
- Estás doido?! Nem pensar!
- Porque não?
- Ricardo, não tem lógica fazeres mais de trezentos quilómetros só para vires tomar café comigo. - acomodei-me mais um pouco na cama.
- Não é um simples café. É um café especial. Sabes que ia até ao fim do mundo para estar contigo. - declarou.
- Não digas disparates - respondi.
- Está bem, exagerei - emendou. - Vá, diz-me onde estás que eu vou ter contigo.
- Estás a falar mesmo a sério?
- Nunca falei mais a sério. Diz-me onde estás, que daqui a menos de duas horas estou contigo.
Ainda espantada com aquela decisão que ambos permitimos tomar num acto impensado - algo que era praticamente inédito na nossa relação - fui até à sala contar à Filipa.
- Isso é que é amor! - exclamou.
- Não, isso é que é amizade. Estava preocupado comigo, depois da discussão com o Tiago e ele ainda não sabe da história toda.
- Via ficar contente.
- Acho que não, Filipa, acho que se vir que estou triste, não lhe vai dar um gozo particular saber que finalmente me vou divorciar.
- Talvez... - A Filipa acomodou-se novamente no sofá, depois de ter arrumado o tabuleiro do nosso pequeno-almoço, em que eu mal tinha tocado. Encostou-se a um canto e começou a fazer zapping em silêncio.
- Vá, Filipa, o que queres? O que me queres dizer?
Após um arquear de sobrancelhas, disparou a pergunta:
- Como ficaram as coisas com a tua mãe?
- Sinceramente, as coisas estão estranhas. Passaram-se coisas nestes anos que ainda não entendi, como o facto de algumas pessoas dizerem que o meu pai era uma pessoa boa, mas a questão é que a minha mãe não mudou e se o fez foi para pior, pelo menos em relação a mim.
- A sério?! Como é que isso é possível? Ela perdeu o marido, devia querer o apoio da filha neste momento difícil.
- Filipa, isso é tudo muito bonito na teoria. Mas o facto mesmo é que a minha mãe não é uma mãe como tu por exemplo. Ela colocava o meu pai sempre em primeiro lugar.
- isso para mim é incompreensível. Já o era quando me falaste a primeira vez, mas agora que vivo a experiência é-me inaceitável essa situação.
- Pois, mas é verdade. Na altura do funeral, ainda aceitou que me aproximasse dela, mas foi somente durante uns breves momentos. Depois foi só acusações...
Entretanto, sem dar pelo tempo passar, o Mário e a Mariana chegaram com o nosso almoço: frango no churrasco, batatas fritas e arroz, com cerveja a acompanhar.