O Ricardo chegou, qual cavaleiro andante, pronto para me salvar das minhas comiserações diárias.
A Filipa e o Mário já tinham planos para o sábado à tarde, um pouco também à conveniência da minha grande amiga, que insistia numa conversa frontal entre mim e o Ricardo.
Sentámo-nos no sofá da sala, um em cada canto, estranhos num local estranho.
- Fugiste do quê, Di? - perguntou ele, frontalmente, apesar do olhar dele mostrar uma constante preocupação e carinho.
- Não fugi de nada, Ricardo, vim apenas passar aqui uns dias. - enfrentei-o timidamente, como se houvesse necessidade para isso - Depois daquele telefonema do Tiago quando estávamos a jantar, fui para casa e ele estava à minha espera. Outra discussão e acho que desta vez já não há volta a dar.
- Então vão mesmo divorciar-se?
- Sim.
- Por isso vieste para cá?
- Isto está a custar-me muito, Ricardo. Nós tínhamos ficado amigos, podia sempre contar com ele para tudo. Agora não, as coisas azedaram mesmo e nem sei como vão ficar as coisas em relação à loja. Vai ser sempre constrangedor estarmos juntos a tentar resolver alguma coisa.
- Hás-de ultrapassar isso, Di. Já passaste por coisas bem piores...
- Eu sei, eu sei que isto é mais um momento mau na minha vida, mas não basta dizer isso para as coisas doerem menos... - levantei-me e fui até ao pequeno móvel de bar, também cor de wengué como toda a mobília da sala, e servi-me de licor. - Queres beber alguma coisa? Um uísque? Não sei exactamente de que bebidas gostas... Quer dizer, além de cerveja - acrescentei, lembrando-me de umas quantas vezes que ele tinha roubado ao pai garrafas de cerveja e do jantar que tínhamos tido uns dias antes.
- Deixa, eu sirvo-me.
Afastei-me imediatamente dali para não haver qualquer tipo de contacto físico, qualquer tipo de demonstração de carinho mais íntimo. Além de não querer, sabia que não merecia.
Voltei a sentar-me no sofá e uns minutos depois, ele fez o mesmo movimento, já com um copo de uísque velho na mão.
Permanecemos uns minutos em silêncio, eu a olhar o vazio, sentindo que ele me observava atentamente.
- Não mudaste muito nestes últimos anos, Diana - disse por fim.
Virei-me para ele e fiz um sorriso amarelo. A intenção nunca fora ser eu a mudar, mas sim o que se passava à minha volta.
- Não me interpretes mal - prosseguiu - O que quero dizer é que continuas a ser a mesma pessoa que eu conheci. Acho que isso é muito positivo.
- Talvez... Também não me apanhaste na melhor fase da minha vida. Achei que me tinha tornado mais forte consoante as adversidades, mas...
- Acho que nunca estamos verdadeiramente preparados para cortar com uma ligação com alguém de anos...
- Não, não é fácil - respondi, sabendo de antemão que ele não só se referia àquela situação como à do passado.
Mais uns momentos de silêncio impuseram-se entre nós. Até que por fim, ele mais uma vez tomou a iniciativa de quebrar aquele constrangimento, para...
- Alguma vez te arrependeste de teres feito as coisas como fizeste? Quer dizer, de teres fugido de casa? - baixou um pouco o tom de voz e continuou - De me teres deixado?