- Que rica educação! - ironizei. - Mas ainda não entendi porque disseste que o meu pai foi uma pessoa boa para ti...
- Portanto, eu disse-lhe que ele tinha sido o culpado pela tua fuga e por conseguinte era ele o culpado por eu ter perdido o rumo de vida, por não querer continuar a estudar, por querer desistir de tudo e saí de casa.
- Não foi minha intenção deixar-te assim, Ricardo, pelo contrário. Eu expliquei-te todos os motivos, tu já sabias que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer... O objectivo da carta foi fazer com que seguisses a tua vida e não o inverso. - pousei o copo há muito vazio em cima da mesa de centro e voltei a virar-me para ele. - Fico contente por saber que afinal não desististe de nada...
- Perdi um ano na faculdade... Ficava dias a fio enfiado no meu quarto, música nas alturas, a dormir, a olhar para o vazio, enfim, sem fazer nada - retorquiu - O teu pai soube disso e um dia veio falar comigo. Voltou a dizer que não pedia desculpas por nada, mas que não ia permitir que eu desperdiçasse a minha vida, que se tu tinhas decidido começar a tua vida num outro sítio, sem mim, que o problema era teu e que eu devia fazer o mesmo. Ninguém merece que uma pessoa desista de viver por causa de outra, dizia ele.
- Que é o que a minha faz... fazia...
- Falou isso tantas vezes e de uma forma tão convincente que acabei por acreditar. Mas no fundo nunca deixei de pensar em ti e sabia que um dia acabaria por te ver. Entretanto quase a terminar o curso - que agora estava a terminar no Porto - conheci a Bruna, com quem namorei três anos e estive noivo. O teu pai ajudou-me também a decidir em avançar num relacionamento com ela. Mais tarde, ele, ainda que a custo, contou-me que tu te tinhas casado. Fiquei devastado, mas não o demonstrei a ninguém e foi então que decidi pedir em casamento a Bruna. Ela aceitou, como é evidente. Mais tarde, disse-me que tinha achado muito repentino, mas não ligou. Achou realmente que a amava. Mas não durou, porque ela disse-me que sentira que eu mudara, que não prestava atenção ao que ela me dizia, que me esquecia das coisas que tínhamos combinado. Pensei que ela estava a exagerar, mas depois ela traiu-me e percebi que nos tínhamos afastado sem nos darmos conta...
- Deve ter sido difícil - disse.
- Acho que foi mais difícil para ela, porque gostava de mim. Eu nunca...
- O tempo voa - interrompi-o, fingindo-me interessada nas horas. Sabia exactamente aquilo que ele ia dizer e frontalmente era algo que dispensava. Naquele momento, precisava do amigo que ele sempre o fora e nunca deixara de ser. - Estou com fome. São quase oito horas. Vou telefonar à Filipa para saber se eles vêm jantar.