- Quando vim para Lisboa estava disposta a esquecer tudo, a recomeçar. Como é evidente dediquei-me ao trabalho, mas tinha aprendido que os amigos eram o melhor que se podia ter na vida e passado um tempo deixei de me isolar. Tu apareceste, apareceu o Mário, apresentaste-me a Luísa e a Leonor e o meu leque de amigos foi alargando, até que me apresentaste o Tiago. Ele era o oposto do Ricardo, o oposto de mim e acima de tudo, sem ligação nenhuma à minha vida em Gaia. Eu tinha fugido de casa, os pais dele tinham-no apoiado na sua aventura aqui em Lisboa, eu tinha um péssimo relacionamento com o meu pai, ele não. O Tiago sabia o que queria e eu ainda estava a tentar descobrir. Ele era divertido, bem-disposto. Tinha qualquer coisa que me fazia querer estar sempre com ele - Levantei-me do sofá e olhei para a janela, lembrando-me dos muitos momentos que tínhamos tido juntos - Sabes, Filipa, mesmo que o Tiago nunca tenha conseguido compreender a relação violenta que tive com o meu pai, dizendo que estava a exagerar em tudo que contava, sempre foi uma pessoa com que eu pude contar para tudo o resto. Lembraste quando surgiu a oportunidade lá no trabalho de ser chefe do meu grupo? Parecia ser uma coisa tão sem importância e no entanto tinha muito medo da responsabilidade. A minha única responsabilidade até àquela altura tinha sido deixar o meu pai orgulhoso, mesmo que nunca o tenha conseguido. o Tiago foi o meu maior apoio, incentivou-me a isso e incentivou-me a muito mais. Voltei a estudar... Tu lembraste disso. - peguei no maço de tabaco que tinha trazido para a sala e perguntei-lhe se podia fumar. Negou-me o prazer e abri a porta até à varanda. Expeli o fumo de uma passa que dei e virei-me para dentro, sempre com o cigarro do lado de fora. - Foi meu amigo e o resto aconteceu naturalmente. E aquele ano em que namoramos foi tão intenso... O resto já sabes.
- E o Ricardo?
- O Ricardo foi o meu primeiro amor. Foi com o Ricardo que eu cresci. Ele deve ser a pessoa neste mundo que melhor me conhece. Era a ele que eu contava que o meu pai me batia, era no ombro dele que eu chorava. Foi a ele que dei o meu primeiro beijo, foi com ele que fiz amor pela primeira vez. Preciso de dizer mais alguma coisa? - Apaguei o cigarro no cinzeiro que eu tinha deixado em cima da mesa da varanda e voltei para dentro. Sentei-me no sofá, à espera que ela dissesse algo que me pudesse ajudar.
- Di...
O meu telemóvel vibrou, num som irritante contra o tampo de vidro da mesa de centro.
Era o Ricardo.
- Por falar nele...