Reservara o dia para fazer umas pequenas alterações. Colocar um modelo de sapato na prateleira de baixo em vez da de cima, dar destaque a um mocassin novo que tinha chegado, evidenciar umas meias com novos motivos que eu tinha encomendado, fazer uma limpeza ali e acolá e, por fim ou em intermédio com essas funções, pôr em dia a conversa com a Leonor, dona do café ao lado da sapataria, onde às vezes eu e a Adriana íamos lanchar.
Tentei manter-me activa, concentrada no trabalho, que era a melhor solução para uma tarde algo fria.
- Boa tarde - ouvi. O cumprimento masculino já me era bastante familiar... E talvez por isso e por não esperar tal aparição, deixei cair a caixa de sapatos que tinha na mão ao chão, o que ecoou um pouco pela loja.
Rapidamente ele aproximou-se de mim e ajudou-me a arrumar as coisas.
- O que estás aqui a fazer? - perguntei. Idiota, pensei logo depois. - Esquece, tens todo o direito de cá apareceres.
- Estava a ver que não... - ironizou. - Onde está a Adriana?
- Dispensei-a hoje de tarde. Tenho que começar a compensar a rapariga pelas minhas ausências - respondi.
- Ela não me disse nada. Tínhamos combinado ir tomar m café quando ela saísse.
- Pois, acredito. Mas como vês só cá estou eu. Se quiseres falar com ela, sabes o número de telemóvel dela e, imagina, até sabes onde ela mora. Já viste a tua sorte? - satirizei.
- Noto aí uma pontinha de ciúmes, Diana? - questionou, chegando-se ao balcão, onde eu entretanto me tinha refugiado.
- Estás a ter-te em alta consideração, Tiago. Já deixei de ter motivos para sentir ciúmes - Mentirosa - Vamo-nos divorciar. Se sentisse ciúmes, isso significarias que continuava a gostar de ti, o que não é verdade - Mentirosa.
- Esperas que acredite nisso?
- Mas tu estás a gozar comigo, Tiago? - repliquei, não querendo levantar o tom de voz, não fosse algum cliente entrar na loja à última da hora - Depois de tudo o que foi dito há dias, chegas aqui como se nada fosse? Estou muito magoada contigo e já te disse que se acabaram as promessas de que tudo irá melhorar, de que tudo irá ficar melhor...
- E se largássemos tudo o que temos aqui e voltássemos para Lisboa onde fomos verdadeiramente felizes?
A pergunta ficou a pairar no ar. Os nossos olhares presos. O silêncio irrompeu entre nós e só foi quebrado pela entrada do Ricardo em cena.
- Olá, Diana. Boa tarde - retorquiu para o Tiago. - Desculpa, não sabia que...
- Eu já estava de saída mesmo. - Olhou-me tristemente, o rosto a transbordar desalento. Baixou a cabeça e saiu como se sentisse derrotado.