Acendi umas velas aromáticas e baixei a intensidade da luz.
Apesar do ambiente romântico, queria somente colocar a minha sala aconchegante, com um ar pacíficador.
Enquanto o jantar estava a ser confeccionado, sentámo-nos no sofá, um em cada canto.
A noite esfriara muito e não obstante o facto de ter colocado vários tapetes pela casa, o meu lar era frio.
- Estás com frio? - questionou ele, vendo-me a aconchegar ao meu cobertor azul escuro.
- Um pouco... - respondi.
- A primeira vez que nos encontrámos no pinhal atrás da casa dos teus pais, quiseste vir logo embora. Bem que tentei convencer-te a ficar mais um pouco, mas não adiantou. Estavas gelada...
- Eu lembro-me. Já da segunda vez, levei umas camisolas mais grossas. Também começamos a namorar no Inverno...
- Pois foi...
- Éramos umas crianças... - lancei, sabendo que ele estava a recordar os mesmos momentos da mesma forma saudosa que eu.
- Tínhamos treze, catorze anos. Não éramos assim tão pequenos! Acho que tínhamos bastante consciência do que se passava connosco, do que se passa à nossa volta. Maior parte dos meus miúdos não vê nada... Ou pelo menos finge muito bem...
- Eu fingia muito bem perante os meus professores - alvitrei.
- Eu sei. Já eu não! Andava constantemente revoltado com o que o teu pai te fazia.
- Quando algumas queixas de mau comportamento começaram a chegar aos ouvidos do meu pai, ele disse logo que eras uma má influência, que era mais um motivo para ele não me deixar aproximar de ti.
- É um ciclo vicioso mesmo. Eu segui a via do ensino para poder ajudar algumas crianças que se encontravam na mesma situação que tu, porque achava que os professores deviam ser a nossa segunda família. Mas eles escondem os seus problemas muito bem e muitas vezes não nos deixam aproximar. Não se abrem connosco e mesmo quando lhe dámos alguma coisa em troca, como deixá-los jogar no computador por alguns minutos, eles afastam-se.
- Deve ser difícil. Quando somos crianças, dezemos que quando formos adultos vamos conseguir mudar alguma coisa, mas a única coisa que conseguimos é simplesmente sobreviver a cada dia que passa.
- É verdade... Sinto-me impotente por vezes quando os tento ajudar, mas acho que se não tentar, não me sinto bem comigo mesmo.
- Já deixei de ter esse sentimento altruísta. A vida ensinou-me que se não cuidarmos de nós próprios, nunca conseguremos ser felizes.
- As coisas nem sempre são assim tão lineares - retorquiu ele, preparando.se para se levantar.
- Não, não são. Mas tento levar essa máxima ao máximo na minha vida, Ricardo. - levantei-me também e fomos até à cozinha.
Ele verificou a lasanha no forno e começou a abrir as portas dos armários à procura de louça para pôr na mesa da sala. Eu, por minha vez, encetei a tarefa de ir até à lavandaria, abrir uma janela por completo e fumar um cigarro.