Pousei o telemóvel em cima da mesa da sala e dirigi-me para o hall.
O Tiago já tinha dado um passo para o interior do apartamento e apresentava-se com um ar algo ansioso.
Estava vestido, como habitualmente, com um fato de grande qualidade e, apesar do final do dia, ainda bem engomado. A camisa branca, acompanhada por uma gravata vermelha de seda já um pouco larga no nó, contrastava com o preto do fato. Elegante como sempre, pensei.
- O que estás aqui a fazer?
- Pensei que podíamos conversar.
- Mas quantas vezes preciso de te dizer que já não há nada para conversar? - retorqui, tentando omitir a minha vontade de o insultar pela invasão de privacidade.
- Acho que precisamos de nos sentar e conversar como adultos.
- Não o temos feito porque tens-te comportado como um autêntico imbecil.
- Bem, não vim aqui para ser insultado!
- Não estou a dizer nenhuma mentira, Tiago. Não me tens respeitado, não tens respeitado as minhas decisões, não tens respeitado o Ricardo, que sempre foi uma pessoa com uma importância enorme na minha vida, como tu sempre soubeste.
- Posso entrar? - perguntou. Sem esperar pela minha resposta, fechou a porta nas suas costas e foi até à sala, onde se acomodou no sofá.
- Claro, querido. Senta-te, faz de conta que estás em tua casa - ironizei.
- Bem, - começou ele com uma aparente calma na voz - sei que praticamente o nosso casamento está acabado, mas pensei que talvez merecêssemos uma segunda oportunidade.
- Tiago, quantas oportunidades já nos demos um ao outro? Não nos conseguimos entender, ponto final. - falei, hesitando em me aproximar mais do sofá.
- Agora vejo que a nossa vinda para cá foi um erro - admitiu. - Éramos tão felizes em Lisboa... Talvez se voltássemos, talvez se regressássemos ao sítio onde nos conhecemos, onde namoramos e casamos. onde...
- Mas foste tu que quiseste vir, não fui eu - interrompi - Eu vim por ti, Tiago. Larguei tudo em Lisboa, tudo aquilo que eu lutei para conseguir, por ti, porque tu te cansaste de estar longe dos teus pais, dos teus amigos, do local onde cresceste...- uma lágrima teimava em querer aparecer no meu rosto. Discretamente, passei os dedos pelo olho direito.
- Eu sei disso - disse, levantando-se. Movimentou os braços num gesto de rendição. - Mas não percebi que desde que te conheci, tudo o resto deixou de ter importância!
_ Mas isso já vem tarde, Tiago - contrapus, desviando-me dele e indo eu desta feita até ao sofá. Sem me sentar e virando-me para ele, falei - Não adianta isso agora. Não adianta, porque em primeiro lugar, eu já te tinha pedido para regressarmos e tu disseste que a nossa vida agora era aqui na Maia, em segundo lugar, realmente quem não quer ir embora daqui agora sou eu e em terceiro lugar, porque é que achas que te daria ouvidos agora, se tu nunca me ouviste?
- Talvez, porque ainda nos une um sentimento muito forte... - alvitrou.
- Sim, até é possível - Decidi sentar-me no sofá de três lugares, que se encontrava encostado à parede com janela. A cortina azul deixava passar ainda uma ténue luz do dia por entre os orifícios da persiana corrida abaixo. - Acho que o mal foi querermos ignorar aquilo que realmente queríamos em detrimento de um sentimento chamado amor. Repara: eu fugi da minha família, porque me maltratava, tu deste-te ao luxo de te afastar dela, para teres uma experiência de vida. Tu sempre sentiste saudades da tua família, eu nunca senti saudades da minha. Tu nunca aceitaste isso e, apesar de tudo, eu fiz-te a vontade de regressar contra tudo aquilo que eu queria.