- Mas eu sempre te disse que a nossa vida começava a partir do momento em que nos conhecemos. O que estava para trás, tinha deixado de ter importância - disse, sentando-se no outro sofá.
- Porra, Tiago, mas isso sempre só valeu para mim. Tu vieste atrás do teu passado ao regressarmos aqui. Nem de deste ao trabalho de encontrar um casa para nós - enquanto discursava a minha veemente opinião, levantei-me para pegar no maço de tabaco, que estava escondido algures numa gaveta do aparador. - Só passado quase um ano de eu quase enlouquecer em casa dos teus pais, é que começamos a procurar a nossa casa! - enfatizei esta última parte. - E de certeza que só o fizeste porque já não aguentavas ouvir-me queixar da tua mãe e do teu pai. Entendes? Isso de colocar um ponto final no passado foi sempre uma treta! No fundo, acho que nunca quiseste enfrentar o facto de conheceres uma pessoa que tinha sofrido maus-tratos por parte dos pais - finalmente acendi o cigarro que tinha na mão e soltei uma baforada mesmo em direcção a ele. Não tinha o hábito de fumar dentro de casa, primeiro porque não gostava e em segundo por respeito ao Tiago, que não fumava. Aquilo certamente iria irritá-lo. - Acho que nunca quiseste crer que isso era uma realidade, que já deixara de ser uma ficção de televisão ou simplesmente mais uma notícia no jornal.
- Não, Diana, não foi bem assim... Quer dizer... Sinceramente, o que te acabei de dizer é verdade. Sempre achei que o teu passado não iria ter influência na nossa relação, porque era passado e tu estavas a trezentos quilómetros de casa por opção própria. Além disso, se me mostrei indiferente a isso, era porque não queria que tu estivesses sempre a recordar - retorquiu, levantando-se e dirigindo-se a mim. Tirou-me o cigarro da mão e apagou-o imediatamente no cinzeiro limpo de vidro transparente.
- Não entendes que eu simplesmente fugi? Fugi para não continuar a sofrer? Mas eu sofria, mesmo longe, eu sofria. Eu tive que abandonar tudo o que conhecia e tive que deixar a pessoa que sempre me apoiou, a única que me apoiou na merda desta vida!
- E agora ele volta a entrar na tua vida - comentou.
- Sim e vou fazer os possíveis para que não nos voltemos a separar - declarei prontamente.
O Tiago continuava em frente a mim, o seu rosto já deixara há muito de mostrar uma aparente compreensão. Agora tinha dado lugar uma expressão irada, de intenso ciúme.
Nunca o vira assim e tinha receio daquilo que ele me pudesse dizer. As palavras conseguiam ser igualmente violentas como uma bofetada. E eu conhecia as duas formas...
. Nem deixas arrefecer a nossa cama, Diana, é isso?
- O quê?! - exclamei.
- Não foi exactamente isso que vocês fizeram ontem? À hora que ele saiu daqui ontem só podia - atacou.
- Estiveste a vigiar-nos, Tiago? Como é possível que o tenhas feito? Já não tens respeito por mim nem por ti, Tiago?
- Ora, Diana, tu é que provocaste isso - virou-me costas, dirigindo-se até à janela. Tornou a voltar-se para mim - Como querias que reagisse? Sou teu marido e teu amigo. O teu pai faleceu e só soube, porque fui à loja e vi que estava fechada. Aquela tua amiga do café é que me falou. Olha com que cara é que fiquei! - Apontou-me o dedo, estando sempre em tom acusatório - Nem ao funeral me disseste para te acompanhar, Diana. Depois houve a missa de sétimo dia... Dispensaste a minha presença mais uma vez e quando te telefonei estavas com ele...
- Porra, Tiago, o Ricardo estava lá, o meu pai foi uma pessoa muito importante para ele, por mais que me custe a admiti-lo. Era evidente que ele estaria lá - Acendi um novo cigarro. Sentia que o meu corpo hesitava em manter-se direito na sua presença. Precisava de respirar fundo e me sentar - Acabamos por ir jantar juntos.
- Sim, sim...
- O que queres dizer com isso? Da outra vez disse-te para não fazer cenas de ciúme, que não havia motivo para tal.
- Pois, mas agora já há! - exclamou, berrando.
- E se houver? Tiago, nós estamos divorciados. Já não vivemos juntos há quase três meses.
- Mas ainda há duas semanas fomos para cama.