(Imagem retirada da net)
- Isso foi mais uma oportunidade desperdiçada por ti. Durante dois dias não me ligaste tal como disseste. Nem sequer apareceste na loja... A tua desculpa já me cansou, Tiago. Sei perfeitamente que foste para os copos com os teus amigos e não estiveste a trabalhar como disseste. Se querias ter uma oportunidade tinha-la aproveitado. Não é por mostrares ciúmes, que faz com que te perdoe. Não é por de vez em quando te preocupares comigo, que te posso perdoar essas falhas.
- E agora vais armar-te em esposa perfeita, Diana? Em mulher perfeita? Enganaste! - fez um brevíssima pausa, passou as mãos pelo rosto com barba de um dia e continuou: - Tu tornaste a nossa convivência num autêntico inferno. Eras tu, tu, tu, tu e tu, nunca eu. As tuas necessidades tinham que ser sempre satisfeitas. Cansaste-te de viver com os meus pais, atazanaste-me o juízo para sairmos de lá. Querias fazer alguma coisa e como não arranjávamos emprego, não te cansaste enquanto não nos endividássemos no banco. Depois, a porcaria da loja tornou-se a tua prioridade. Deixámos de ser nós, para te dedicares a cem por cento à sapataria. Eu que te dei sempre tanto apoio, deixei de estar em segundo lugar, para num piscar de olhos, passar para terceiro. Já reparaste na ironia? Quis vir para perto dos meus pais para não me sentir tão desenquadrado como me sentia em Lisboa, mas tu conseguiste a proeza de me manter assim. Tu, com a tua triste história de menina com um passado de violência, tu com uma família desfeita, tu sem casa, tu sem ninguém. Parece que nunca ultrapassaste isso, tu nunca quiseste ultrapassar isso, para as pessoas continuarem a sentir pena de ti.
Uma lágrima espreitou, mas ele continuou, sem qualquer tipo de remorso.
- Tu foste sempre tão egoísta, Diana, que nem te apercebes. Falas de mim? É fácil acusar., quando não se quer ver os próprios defeitos. Quando te conheci, pensei sinceramente que te conseguia fazer esquecer tudo e acho que durante um tempo consegui, não foi?
Entre as lágrimas que abundavam o meu rosto e num choro quase inaudível, acenei com a cabeça afirmativamente.
- Mas depois algo se passou, não sei o quê, voltaste a refugiar-te no teu mundo, voltaste a sentir pena de ti própria, voltaste a sentir necessidade de lembrar as pessoas que tinhas sofrido muito. Voltou a fazer uma pausa.
A respiração ofegante parecia que se conseguia ver. O rosto dele tomou um aspecto mais leve. Tudo o que havia guardado para si tinha vindo a acumular-se de tal forma, que naquele momento explodiu numa bola de acusações.
Talvez eu merecesse todas aquelas palavras. Talvez eu tivesse feito tudo aquilo...
O meu telemóvel começou a tocar e o som vibratório tornou-se irritante ao roçar no tampo de madeira da mesa de jantar.
- Bem, acho que já foi tudo dito - afirmou ele. - Agora sim, concordo contigo. Já não há nada para falarmos. Mas antes de me ir embora, apenas te digo uma coisa: és uma mulher completamente frustrada e hás-de continuar a sê-lo. Enquanto não conseguires seguir em frente, aceitar tudo o que te aconteceu, hás-de continuar a não te sentir realizada - e terminou em tom de desprezo - Espero sinceramente que esse teu amigo do passado te conseguia ajudar a ultrapassar tudo isso, porque senão nem com ele serás feliz. E, apesar de neste momento te odiar profundamente, desejo que encontres aquilo que queres, seja lá o que for. - Passou por mim e mesmo ao meu lado, concluiu - Já podes atender o telemóvel. Pode ser o teu amigo...
Segundos depois ouvi a porta de saída bater com violência, fazendo-me estremecer e finalmente atendi a chamada. Era a Raquel.