Nessa noite alterei os planos. Primeiro porque queria evitar o Ricardo e depois porque queria compensar a Raquel pela noite anterior e por ela não ter conseguido ter vindo almoçar comigo.
Depois de falar com o Ricardo, que ficou deveras aborrecido comigo, afirmando que não o queria ver e depois de lhe explicar que precisava de um certo tempo para assentar diversas ideias - fui até à cozinha preparar o jantar. Tinha decidido fazer esparguete à bolonhesa. Era prático e fácil e à partida eu sabia que eles gostavam.
A presença da Raquel e do Mário teve um efeito positivo, quase que levando todo aquele mal-estar presente em toda a casa. Conseguiram-me animar depois de um dia tenso, contando várias piadas das suas infindáveis listas de bom humor. Era sempre agradável tê-los por perto nestas alturas, mesmo eu sabendo que o Mário estaria desejoso por me espicaçar em relação ao Tiago, um grande amigo que tinha feito nos dois anos que ali morávamos. Porém, ele mostrou-se à altura do desafio, como que sabendo que eu não queria ouvir a sua opinião.
No fim daquele convívio tão ameno, a Raquel voltou a proferir as sábias palavras de amizade:
- Sabes que se precisares de alguma coisa, é só bateres à porta. É no prédio ao lado, mas é pertinho... Olha para mim - pediu ela, vendo que eu me recusava a enfrentá-la - Tu sabes que vais conseguir ultrapassar isto. Já passaste por tanto, mas vais conseguir também ultrapassar isto também.
Depois de uma noite praticamente passada abraçada à sanita, esta noite iria dormir no conforto de uma cama. Não na cama que tinha partilhado com o Tiago, mas na que estava no quarto de hóspedes.
Apesar das discussões que íamos tendo, apesar da decisão de divórcio, tínhamos ficado amigos e sócios e, de quando em vez, havia uma espécie de reconciliação, ainda que às vezes se resumisse a uma noite bem passada entre os lençóis.
Mas aquela última altercação tinha sido diferente. Envolvera todos os sentimentos ignorados e omitidos, todas as cobranças nunca proferidas e ciúme. Nunca nenhum de nós, apesar de tudo, dera motivo para existir isto na nossa relação.
Pensando nisso, sentia-me culpada. Sentia que devia ter tido mais cuidado com a contínua aproximação do Ricardo desde que nos havíamos reencontrado. Mas tudo me tinha parecido tão normal, tão inocente, até àquele beijo intenso que tínhamos trocado há dois dias. Portanto, só ali, só sabendo o que tinha acontecido é que o Tiago podia mostrar ciúmes. Não antes.
Então, porque é que continuava a sentir-me culpada? A sentir que tinha traído o Tiago, ainda que estivéssemos separados?
Aconcheguei-me entre os lençóis e os cobertores. As noites já eram ligeiramente menos frias à medida que nos aproximávamos da Primavera. Mas eu estava sozinha naquela cama estranha.