Após uma conversa mais animada ao jantar, fomos até ao tal bar que o Ricardo tinha falado.
O Ryan's era um bar irlandês, muito acolhedor. No piso térreo, deparamo-nos com um bar do lado direito comprido e mais ao fundo uma série de mesas redondas. A decoração remetia-nos tipicamente para a cultura irlandesa. Depois de subir umas escadas de madeira em caracol, fomos até ao segundo piso, onde os amigos do Ricardo nos aguardavam. Aqui estava um pequeno balcão do lado esquerdo numa sala com mesas baixas e uma segunda para fumadores. Sentámo-nos à volta da última mesa que fazia a separação de ambos os espaços. Assim, quem era fumador, como eu, podia levantar-se e com apenas um passo respeitar as regras impostas.
Eu não conhecia aquele bar. Eu não conhecia praticamente bar nenhum no Porto e acho que em nenhum outro sítio nas redondezas. O meu pai tinha os meus horários de tal maneira controlados, que saí poucas vezes à noite e já quando frequentava a faculdade, exigindo que me fosse buscar e que não aceitasse boleia de ninguém.
O Ricardo apresentou-me a Helena e o Rodrigo, o Nelson e a Mónica e ainda o Nuno, que viera sozinho, por indisposição da esposa Bianca. Todos eles eram amigos de faculdade, professores em exercício e outros sem colocação.
Sentia-me completamente desenquadrada ali, fazendo-me lembrar as palavras do Tiago a esse respeito. Tentei sorrir para disfarçar esse desconforto.
Era verdade que tinha conhecido o Ricardo muito antes que eles, tinha sido eu que o acompanhou na adolescência, foi comigo que ele teve várias primeiras vezes... E, contudo ali sentia que eu é que era a intrusa. Eles eram os amigos dele. Eu tinha sido a amiga que fugira, que lhe tirara o tapete debaixo dos pés, depois de lhe ter prometido que era a última vez que terminávamos o nosso relacionamento naquela tarde de verão, no meio do pinhal, quando nos decidimos candidatar a uma faculdade diferente.
A dada altura, umas das amigas do Ricardo, a Mónica, aproximou-se mais de mim e começou a falar comigo como se nos conhecêssemos há imenso tempo, praticamente palavras dela.
- O Ricardo falou-nos tanto de ti quando nos conhecemos. Sabes, cheguei a ter um fraquinho por ele, mas ele só falava numa Diana. E agora entendo porquê. Além de simpática, és bonita! - E em jeito de confidência - Adoro o teu cabelo. O meu é liso, o teu é volumoso e encaracolado. Que inveja!
- Obrigado - agradeci, um pouco constrangida com a situação.
- Olha, mudando de assunto, e desculpa se estou a tocar em algo que te seja... Bem, cheguei a pensar que fosses uma pessoa imaginária na vida do Ricardo e que, se existisses, não podias ter passado por tudo aquilo que ele nos contou e teres coragem para saíres de casa dos teus pais e enfrentar um mundo novo. É mesmo verdade tudo aquilo que ele disse? Que o teu pai era mesmo...
- Depende - respondi imediatamente - A parte em que o meu pai me controlava todos os passos ou aquele em que batia ou me castigava de outra forma e a minha mãe lhe dava razão, mesmo sem eu ter feito nada?
- Desculpa, Diana, não te queria transtornar...
Respirei fundo, tentando... Sei lá o quê...
- Não, não tens culpa. Eu é que não sou neste momento a melhor companhia. Também estou a atravessar por um divórcio complicado...
- Lamento muito...
Levantei-me e comecei a despedir-me.
- Gostei muito de vos conhecer, mas vou-me embora.
Desci as escadas e paguei o mais rápido possível a coca-cola que bebi, que preferi à cerveja irlandesa que não me agradou, para nem sequer dar tempo ao Ricardo de protestar.
Saí para a rua e apertei o casaco. A noite estava fresca e húmida, não fôssemos estar tão perto do Rio Douro. Virei à direita em direcção à Praça do Infante e tirei finalmente o meu primeiro cigarro da noite.
- Espera, Diana.
Não queria olhar para trás.
- Espera - voltou a repetir, alcançando-me. Puxou-me pelo braço esquerdo, fazendo com que o meu corpo rodasse sob os calcanhares, virando-me para ele.
- Porque é que te vais embora? Foi alguma coisa que eles te disseram?
- Não, Ricardo, não tem nada a ver com eles. Gostei muito de estar convosco, mas...
- Mas o quê, Diana?
- Enquanto estava a falar com a... com a Mónica, lembrei-me do que o Tiago me disse na nossa última discussão - levei o cigarro à boca, ao que segundos depois expeli o fumo para o lado - Parece que a minha vida se resume aos maus-tratos que recebi do meu pai. Estou farta disso. Já contei a minha história vezes sem conta. Estou farta!
- Mas isso faz parte da tua vida, Diana - enfatizou - Não podes esconder isso ou simplesmente ignorar.
- Mas eu já fiz coisas para além de sofrer como sofri. A tua amiga falou na coragem que tive ao fugir para Lisboa, mas não quis saber o que fiz lá, só o que me levou a fazê-lo.
- É triste, mas as pessoas sentem curiosidade... Mas não leves a mal a Mónica. Ela foi a primeira pessoa com quem desabafei tudo o que nos tinha acontecido, foi com ela que... É natural que ela se tenha entusiasmado demais!
- Mas não entusiasmo possível. Ricardo, vou para casa, vou apanhar um táxi.
- Não, Diana, deixa-me ao menos levar-te a casa.
- Agradeço, mas não. De certeza que se subir aqui esta rua, encontro alguma praça de táxis ou algo do género.
- Não digas disparates. Daqui à Maia, a viagem ainda é cara e não há necessidade para isso. Deixa-me levar-te a casa.
Apaguei o cigarro com a sola da bota e acedi ao pedido dele.
A viagem de vinte minutos foi feita em pleno silêncio, estando apenas o rádio a tocar música sem interesse para nós. Saí do carro dele, desejando-lhe secamente uma boa noite e fui para minha casa.