No último post, escrevi que precisava de um título para a nova história que se irá desenrolar entre palavras ao vento durante os próximos meses aqui no blog. Não vos dei pistas algumas, mas agora fica aqui o primeiro texto. As personagens principais chamam-se Juliana e Rafael.
APENAS UMA NOTA: Esta nova história é um novo desafio para mim, porque não irá ser escrito na 1ª pessoa como foram os últimos três. Existe um narrador, que não interfere na história, que não tem qualquer ligação à história, ao contrário das outras, que foram a personagem principal feminina.
CAPÍTULO UM - PARTE UM
- Já estou farto, estou farto que continues a ser assim comigo, uma cabra fria e distante. - berrou ele.
- Pois, mas dou-te uma novidade: eu sou uma cabra fria e distante com todos. Não és especial! - afirmou ela, calmamente, sentada na sua cadeira, atrás da secretária, olhando o ecrã de computador e ignorando os gestos nervosos dele.
- Mas não foste assim naquela noite. Naquela noite foste diferente, naquela noite mostraste quem realmente eras: uma pessoa divertida, amistosa e...
- Eu estava bêbada! - reafirmou pela milionésima vez. Aquela discussão já começava a saturá-la. - Eu não me lembro de nada - declarou, finalmente virando o rosto para ele.
- Isso é o que tu dizes, isso é o que queres passar cá para fora, porque todas as pessoas aqui da empresa viram como tu eras.
- Pára com isso, Rafael! Não te iludas. Eu sou assim mesmo, tal e qual mostro diariamente. Agora se quiseres tratar de alguma coisa relacionada com trabalho muito bem - levantou-se da cadeira e afirmou com segurança - Se não, a porta é serventia da casa.
- É mesmo impossível falar contigo. Porque é que não admites?
- Porque não há nada para admitir!
- Porra, Juliana! - exasperou.
- Olha, vamos fazer o seguinte - disse, recuperando a calma. Adoptou um tom mais compreensivo e falou: - Se quiseres, podemos conversar o que...
- Já não quero saber de mais nada. Cansei! - e saiu do gabinete dela, dirigindo-se para o dele, com o rosto vermelho, tal tinha sido a irritação que tivera com ela.
Recuando um pouco no tempo.
Depois de uma convivência ténue nos últimos cinco anos na mesma empresa, os olhares calorosos e as discussões intensas entre Juliana e Rafael intensificaram-se nos recentes meses, após a promoção deste. A saída de um funcionário, permitiu que Rafael assumisse a posição de Responsável Comercial e com isso surgiu a necessidade de um maior contacto com Juliana, que acumulava diversas funções entre as quais a de Assistente Pessoal do Director da empresa. Eram praticamente situações burocráticas, mas necessárias, ainda que se tratasse de uma empresa pequena, onde todos, ou praticamente todos, se consideravam uma família.
As dúvidas que persistiam entre ambos tinham sido praticamente dissipadas numa saída nocturna, mas...
- Eu sei que já estás alegre, mas não me perguntavas, se não fosse realmente isso que querias - declarou o José, encostado ao balcão da discoteca, que se situava na Rua da Restauração, no Porto. Em vez do habitual fato, optara por uma calça, ainda que clássica, cinza, acompanhada por uma t-shirt branca e uma camisola de algodão preta com gola em bico.
- Talvez - respondeu ela, sorrindo como há muito não fazia, sentindo-se bem e relaxada, sem pensar muito nas consequências e foi precisamente esse o conselho que recebeu do amigo..
- Se quiseres ir ter com ele, Ju, vai. Não penses no amanhã, pensa só no hoje, só no agora - disse, bebendo a sua cerveja de pressão. - Ele próprio parece que te está a convidar para ires ter com ele...
Ela, decidida, atravessou a pista até ao balcão onde o dj colocava a música e exigiu naquele momento toda a atenção dele, afastando todas as pessoas da mesa, restantes colegas de trabalho. Ela sorriu, disse palavras simpáticas e voltou a sorrir. Ele não se coibiu de receber aquilo que há tanto desejava: que ela mostrasse o seu lado mais positivo da vida, que ele tinha quase a certeza que existia.
Ao som da música que passava nos grandes altifalantes, dançaram um com o outro, sem desviar o olhar. Os corpos moviam-se em uníssono, como se pertencessem um ao outro, como se se conhecessem desde sempre. Depois de um breve diálogo, não foram proferidas mais palavras, não era preciso... Aproximaram-se ainda mais, sentindo o calor que emanava deles, as mãos encontrando o caminho para o toque íntimo. Entrelaçaram os dedos e não mais se largaram. Até ao primeiro beijo foi uma questão de segundos. Ele baixou o rosto ligeiramente, adaptando-se à diferença de altura, e permitindo que o desejo finalmente tomasse o controle. Encostou os lábios nos dela e começou a beijá-la, sem sentir qualquer resistência. E foi tal e qual ele imaginou. Os lábios dela eram doces e macios.
Mas todo aquele momento mágico, todo aquele turbilhão de emoções, foi interrompido com a chegada de uma mensagem de texto ao telemóvel dela, pedindo que regressasse a casa.
Incapaz de o enfrentar, incapaz de admitir a si mesma e a ele que algo significativo se tinha passado, Juliana baixou a cabeça e, envergonhada, correu até ao José, que a acompanhou a casa...