- Chegou o segundo motivo - respondeu ela, com um grande sorriso nos lábios.
Rafael nunca a vira daquela forma tão brilhante, tão esplendorosa. Aquilo acutilou-lhe ainda mais a curiosidade sobre aquela mulher.
Apressou-se a segui-la para fora do escritório tão impessoal para o corredor gélido.
- Mamã, mamã! - gritou uma criança, com um sorriso fácil.
O rapaz aproximou-se rapidamente da mãe e deu-lhe um carinhoso beijo na bochecha.
- Anda cá, amor. A mãe quer-te apresentar um amigo.
Ele estendeu a mão a Rafael e apressou-se a apresentar-se como o Dinis de cinco anos, quase seis.
- Boa noite, Dinis! Eu sou o Rafael.
- Mãe, é como nas Tartarugas Ninjas!
- É sim, Dinis - respondeu ela, completamente babada pelo filho. Sorriu para ele e depois disse - Dinis, sabes o que vais fazer agora?
- Vou brincar - gritou o rapaz, sabendo bem que não era bem àquilo que a mãe se referia.
- Que engraçadinho que tu estás, meu rei. Vai indo para cima. Está na hora do teu banho e nem vale a pena reclamares.
- Mas está aqui o teu amigo...
- O que é que eu te disse?
- Sim, mamã - acatou, para depois lhe lançar um olhar desafiador, enquanto começava a subir as escadas. - Não me apanhas!
- Isso é o que vamos ver, meu rapazinho!
Juliana virou-se para o Rafael, que se mantinha um mero espectador maravilhado com tal quadro familiar e disse-lhe:
- Espera um bocadinho. Vou dar banho ao Dinis e venho já. Ema, - chamou, dirigindo-se á ama, que entretanto se tinha afastado dos dois - diz à Ana, que hoje temos um convidado para jantar.
- Aquele é o tal de que já me falaste? - perguntou ela, discretamente, quase num murmúrio.
- Sim - respondeu, ruborizando.
Rafael viu-a subir, desaparecendo por um corredor para o seu lado esquerdo e esperou que a empregada lhe disse alguma coisa.
- Deseja beber alguma coisa, enquanto espera pela Juliana? - perguntou ela gentilmente, uma voz suave e calma, indicando-lhe uma sala.
A divisão tinha o mesmo aspecto gélido das anteriores. Estava dividida entre sala de estar e de jantar. Notava-se o nível de riqueza elevado. A madeira de excelente qualidade na mobília, os candeeiros de tecto pareciam conter autênticos diamantes de tão brilhantes e as peças de decoração tinham um aspecto caríssimo.
Ele sentou-se numa poltrona de tecido, com um padrão elegante, que estava colocado de forma estratégica, que lhe permitia tanto ver a sala por completo como o fundo das escadas.
- A Juliana é uma mãe muito atenciosa, sabe? Quando o senhor Filipe morreu, o Dinis tinha poucos meses de vida. Eu vi o quanto ela sofreu com isso, mas conseguiu superar todas as adversidades. É uma mulher admirável! Ficou uma pessoa séria, deixou de ter a capacidade de sorrir como antes, mas acho que isso a tornou mais forte.
Rafael observava a empregada. A cada palavra que ela proferia sobre a Juliana, tinha a certeza de que esta seria definitivamente a mulher que mais o fascinara até àquela altura, sendo que se sentia cansado de relações casuais. Sentia que aquela mulher era um puzzle, um enigma que ele queria desvendar e tinha a certeza absoluta de que não seria desapontado.
- Bem, se não se importa, vou ter que me ausentar um pouco. Esteja à-vontade.
Olhou o relógio. Estava impaciente e incomodado por estar sozinho num local completamente estranho e frio.
Observou cada espaço, cada objecto da sala, enquanto esperava. Aquilo sossegava-o e distraía-o.
As paredes estavam cobertas por um papel creme, com motivos florais. Era nostálgico. Não que a casa dos pais tivesse tal abundância, mas remetia-o para a feliz infância, na longínqua década de oitenta. Entretanto tudo mudara. Os pais tinham-se separado e com isso vieram duas casas diferentes, porque nenhum dos dois se quis manter num mundo de recordações.
Por fim, ouviu uns pequenos passos apressados, vindos do andar superior. Levantou-se da poltrona e saiu para o hall. Deixou-se estar ao fundo da escadaria, vendo o Dinis fugir da mãe, soltando gargalhadas, aparecendo somente vestido com uma calça de ganga e uma camisola fina de maga comprida.
- Dinis, espera - gritou ela - Tens que vestir esta camisola e não podes andar descalço.
- Então, vê se me apanhas. - desafiou-a mais uma vez, deitando-lhe a língua de fora e começando a descer as escadas.
Rafael pensou que ela apareceria com o seu habitual semblante zangado e sério, mas enganou-se. Juliana apareceu no cimo das escadas, despenteada, com as mangas da camisola de algodão arregaçadas, divertida. Não estava aborrecida com as fitas do miúdo.
Dinis parou junto do amigo da mãe e observou-o de alto a baixo. Não era usual terem muitas visitas em casa, a não ser da avó. Tinha finalmente alguém com quem brincar, além da mãe.
- Vem para a sala, vamos jogar - disse, com uns olhinhos pedintes. - Tenho uns jogos novos, mas a minha mãe não sabe jogar.
- Está bem, eu vou brincar contigo, mas tens que fazer a vontade à tua mãe. Ela tem razão, aqui em baixo está frio. - falou, olhando de esguelha para Juliana, para ver a reacção dela quanto à aproximação dele ao seu filho.