A segunda sala da casa era totalmente oposta ao que tinha visto até ali.
Visualmente era um espaço bem mais acolhedor. O chão era de madeira escura, em parquet, e as paredes eram pintadas de beije. A mobília era de traços lisos, em wengué, bastante moderna. Apesar de dividida igualmente em sala de estar e de jantar, era bem mais pequena do que aquela onde tinha estado anteriormente. A mesa de jantar era rectangular, com vidro temperado no centro e as cadeiras, da mesma qualidade de madeira, eram forradas em pele beije. O tapete, tanto o que cobria o espaço da mesa como o que estava entre o sofá e o pequeno móvel da televisão eram vermelhos, a contrastar com todo aquele ambiente relaxante.
Esta divisão não estava tão aprumadamente limpa. Passava definitivamente a ideia de que era habitável. Haviam papéis em cima do aparador e brinquedos do Dinis espalhados pelo chão e num cesto. E finalmente haviam fotografias dela e do filho, algumas pequenas em que eles apareciam acompanhadas por um homem, que Rafael, pelas poucas lembranças que tinha, supôs que fosse o falecido marido. Havia ainda uma moldura com uma fotografia em que eles apareciam com um casal com uma idade avançada. Não sabia se seriam os pais ou os sogros... E ainda uma outra em que Juliana aparecia com duas pessoas, muito parecidas com ela, feliz, na qual ele deduziu que seriam os irmãos.
- Vejo que estás boquiaberto - comentou ela, vendo que Rafael observava cada centímetro daquela divisão. - Dinis, se quiseres, liga a televisão, mas não ligues a playstation, porque o jantar já vai ser servido.
Ela dirigiu-se para a mesa de jantar e puxou uma das cadeiras de costas altas. Convidou-o a fazer o mesmo, indicando-lhe a cadeira em frente.
- Esta sala foi remodelada por mim e pelo Filipe mesmo no início do nosso casamento e depois adaptámo-la com um espaço para o Dinis brincar. Por isso, é tão diferente da outra. - falou ela, sem o enfrentar.
Eram tantas as recordações que estavam a começar a ficar novamente à superfície com aquela conversa... Mas era necessário fazer-lhe todas aquelas confidências, para não o enganar, para não lhe dar falsas esperanças.
- Antes desta sala, remodelámos todo o andar superior, à excepção de um dos quartos, que seria para quando os meus sogros ficassem cá. A minha sogra, quer dizer, a minha ex-sogra, adora o requinte antiquado, se é que se pode dizer as coisas assim. Alterámos o pátio, criando uma piscina e ainda um pequeno anexo, com cozinha regional e sala.
- Não deu para perceber muito bem, já estava a ficar escuro quando chegámos, mas o terreno parece grande.
- Sim, grande demais até. Antes da morte do Filipe, ainda vendemos uma parte do terreno, contra a vontade da minha sogra.
- Porque é que não alteraste o resto da casa?
- Agora já não posso alterar mais nada - retorquiu.
- Porquê?
- É uma longa história, Rafael.
- Vou ficar para jantar, certo? Então ainda acho que tenho tempo - disse, sorrindo.
Juliana devolveu-lhe o sorriso, mas este rapidamente desapareceu.
- O Dinis, como é óbvio, não tem qualquer tipo de lembrança do pai, até porque só tinha oito meses de vida, e eu falo com ele apenas algumas coisas. Ele sabe que o pai morreu, que foi para o céu, porque tentou fazer algo de bom...
Juliana sentiu necessidade de baixar o tom de voz, para o que ia dizer a seguir e segredou:
- O Filipe parou o carro no meio da Ponte do Infante, pouco depois desta ser inaugurada, e atirou-se de lá. Foi... Bem, o que eu contei ao Dinis foi que o pai ao tentar convencer alguém a não se atirar, escorregou e acabou por ser ele a cair... Enquanto ele é pequeno, ele acredita. Daqui a uns anos, acredito que ele me vá perguntar a verdade e ficará zangado comigo, mas acho que fiz o melhor para ele.
- Também acho que sim. É doloroso quando os miúdos dão conta que falta alguma coisa ou que algo não está bem. Às vezes, é preciso criarmos essas falsas expectativas.
- Falas por experiência própria?