Num acto de loucura e sob os efeitos da paixão, tinha-me casado três anos depois de me encontrar em Lisboa, um ano depois de ter conhecido o Tiago.
A cerimónia pelo registo civil tinha sido testemunhada por amigos nossos na capital e os meus pais tiveram conhecimento do facto depois nessa mesma noite, quando eu lhes telefonei, já sob o efeito do álcool, tal era a minha felicidade na altura.
Um tempo depois, o Tiago cansou-se da sua aventura por Lisboa e decidiu regressar ao Norte, concretamente à tua terra natal: Maia.
Nos primeiros meses ficámos a viver com os pais dele, que não tinham feitio fácil e continuavam magoados com ele, por não lhes ter contado com a devida antecedência sobre o casamento, concluindo antecipadamente que eu estaria grávida.
Os anos seguintes trouxeram a aquisição de uma casa perto do centro da Maia e a abertura de uma sapataria. Tornámo.nos sócios na cama e nos negócios. Porém, eu era a responsável pelo seu sucesso e ele pela logística, com os seus conhecimentos de comercial numa empresa de publicidade, em Matosinhos.
- Já não vivemos juntos há mais de dois meses, altura em que decidimos pôr um fim na nossa relação.
- Ainda estiveram casados algum tempo... - concluiu.
- Sim, mais ou menos quatro anos - confirmei. - Os últimos meses do nosso casamento foram maus. Ora discutíamos ora passávamos dias sem nos falarmos. Depois de uma longa conversa, optamos pelo divórcio. Continuou como sócio na loja, mas a casa ficou para mim.
- Vocês ainda se falam então...
- Sim, decidimos ficar amigos, nem que seja pelos negócios, que é o meu único sustento.
- Então... então isso ainda tem volta - a voz dele não pareceu mais que um murmúrio.
- Hum, hum... Professor de informática.
- Então, estiveste a dar aulas...
- Sim. Tive três aulas de manhã. Almocei qualquer coisa por lá e voltei para cá.
Estávamos sentados no banco, lado a lado, olhando para o fundo da propriedade, que tinha um quintal do lado direito, bem à nossa frente. Do lado esquerdo, havia uma caminho cimentado, que dava acesso a um pequeno anexo, onde estava o galinheiro e um espaço onde o meu pai dava largas à sua imaginação na carpintaria, quando não dirigia o seu táxi.
- Namoras? - perguntei. - Não te vi acompanhado por ninguém...
- Não. Namorei durante três anos e até estivemos noivos, mas pouco tempo antes de nos casarmos, descobri que ela me tinha traído...
- Foi mesmo a tempo...
- E sabes o que ela me disse? Que a culpa era minha! Disse que nunca tinha sentido que estava com ela a cem por cento, que estava sempre a pensar no meu primeiro amor...
Olhei-o e corei imediatamente. Apesar da pele ligeiramente morena, não conseguia disfarçar o calor que sentia com as palavras dele.
- Disseste-lhe que isso era mentira, não disseste?
- Sim, mas ela sabia que me estava a enganar a mim mesmo... A verdade é mesmo essa, nunca te consegui esquecer - admitiu, colocando a mão esquerda no meu rosto, acariciando-me a pele com os seus dedos esguios. Puxou-me para ele e encostou os seus lábios nos meus, num gesto terno e demorado.
Afastei-o, pondo as minhas mãos no seu peito.
- Esta não é a melhor altura para isto. Desculpa...
Voltámo-nos a endireitar, ficando a olhar para o fundo do terreno durante um tempo, até o senhor Augusto nos tirar daquele transe.