- Não estou a interromper nada, pois não? - perguntou, o seu rosto avermelhado a transparecer mais curiosidade do que preocupação.
- Que ideia, senhor Augusto. Diga. Precisa de alguma coisa? - falei, levantando-me, não me apercebendo que a minha estatura era mais alta do que o seu simples metro e meio.
- Era só para lhes dizer que a missa está marcada para daqui a pouco, às cinco horas.
- Está bem. Obrigado por estar a tratar de tudo.
- A sua mãe, como é de esperar, ainda está muito devastada com isto tudo. Apesar dos problemas de saúde, ninguém esperava que... Você entende... - Senti que ele respirava com dificuldade, talvez por se recordar constantemente que tinha perdido um amigo. - O seu pai tinha os seus defeitos, era muito mandão, muito crítico, muito exigente com ele mesmo e com os outros, mas tinha um sentido de humor fantástico e mais para o fim, revelou ter um coração de ouro.
Tentei ignorar as qualidades, porque eu própria já só me lembrava dos maus momentos que tinha passado com ele...
Coloquei a mão no ombro do velhote e comecei a indicar-lhe o interior da casa, para a qual nos fomos dirigindo. O Ricardo foi-nos acompanhando mais atrás, introspectivo.
- Mais uma vez agradeço-lhe tudo o que tem feito por nós. Sou-lhe sincera, não conheci a faceta generosa de que todos falam, mas o meu pai realmente alguma coisa de bom deve ter feito, senão não entravam e saíam pessoas a toda a hora.
O senhor Augusto anuiu e despediu-se de mim por momentos, para ir ter com a sua esposa, ainda mais baixa que ele.
Reuni todas as minhas forças e fui até ao sofá de tecido creme, onde a minha mãe tinha feito tenda. Só tinha saído dali, para dormir na sua cama vazia, depois de tentar contrair o efeito do comprimido e para almoçar, por insistência da Noémia, na mesa da cozinha.
Sentei-me no lugar vazio, oposto à mãe do Ricardo e do Renato, e coloquei a minha mão em cima da dela, a pele mais enrugada que nunca. Parecia que em apenas um dia, o envelhecimento tinha sido acelerado e os seus cinquenta e oito anos estavam longe de estarem ali retratados.
Com alguma resistência, a minha mãe encostou a sua cabeça no meu ombro e mais uma vez chorou, um rio de lágrimas a caírem-lhe pela face. Mas aquele momento foi parco. Minutos depois, as suas atenções viraram-se para mais um casal que lhe tinha vindo dar as condolências e para uma conversa tímida com a Noémia.