Abri a porta. Entrei pela primeira vez naquela divisão requintada, mantida por heranças familiares, após mortes suspeitas. Quer dizer, para mim não eram, mas para outros talvez.
Observei todos os objectos colocados cuidadosamente nos seus lugares. A sala estava demasiado arrumada, demasiado limpa. Diria mesmo que o aroma a lixívia estava a tornar-se insuportável.
Numa parede branca, estavam expostas fotografias a preto e branco de mulheres anónimas. Mulheres que passeavam no jardim ali perto, que faziam as suas compras descontraidamente, que faziam as suas refeições nos seus restaurantes favoritos. Noutras fotos, essas mesmas mulheres jaziam, pálidas e feridas, suplicando no olhar um pouco de compaixão. Mas o resultado tinha sido apenas levar as suas almas à loucura, ao desespero, ao desejo de realmente morrerem.
Fiquei petrificada. Não conseguia conceber alguém capaz de tal atrocidade humana.
Mas aquele era o local ideal para ele esconder a sua verdadeira identidade. Aquela cave, que estava sempre fechada à chave, que ele nunca deixava entrar ninguém, era o espaço perfeito para ele levar aquelas mulheres que supostamente conhecia espontaneamente.
Dei por mim a pensar qual seria o seu critério. Seria por serem bonitas? Não. Seria por terem corpos esbeltos? Não. Era ao acaso. Só podia. Nenhuma delas tinha nada em comum. Umas eram morenas, outras loiras. Umas com olhos castanhos, outros azuis.
Questão seguinte. O que o levaria a cometer tal insanidade? A torturá-las daquela maneira?
Tinha lido as notícias que saíam nos jornais. As descrições não faziam jus às fotografias que eu contemplava. Os crimes tinham sido ainda mais horrendos do que aqueles que se falavam. E ele tirava fotos como recordação.
Os rostos das mulheres tinham cortes finos, sangue seco à volta, revelando que tinham sido feitos ainda elas estavam vivas. O pescoço, outrora belo, mostrava ser uma parte do corpo excelente para afiar as lâminas das facas.
A minha mente começava a imaginar como ele tinha cometido aqueles homicídios. Todo aquele sangue, todo aquele sofrimento…
- Porquê? Porque é que o fizeste? – Perguntei, sem conseguir tirar os olhos das fotografias, ao ouvir barulho por trás de mim.
- Porque é que há-de haver um motivo? Simplesmente gosto de estar com elas uma vez e depois dou-lhes um adeus… eterno. – Respondeu, com completo desprezo pela existência feminina.
- Chegou a minha vez?
- Não queria, mas achas que te iria deixar sair? Foste esperta quando me conseguiste tirar as chaves daqui, mas não o suficiente. Por isso, dei-te tempo para te ambientares com isto. Mas agora, sou eu que te pergunto, como descobriste que era eu?
- Talvez por pura coincidência. Há dias, vi que tu entraste com aquela última mulher que foi assassinada, aqui para a cave. A foto dela saiu no jornal. Estava abandonada, tal como as outras, à porta da igreja. Como tu só vens com elas para aqui… Alguma coisa devias de esconder de terrível…
- Podia ser simplesmente o meu ninho de amor, prima. Mas tens razão, foi um descuido da minha parte. Julguei que já tinhas saído para o teu trabalho. Pois é, como vês, estas são as minhas obras-primas. – Retorquiu, abrindo um pequeno baú, retirando de lá uma faca, com resquícios de sangue.
- Isso é para me assustar?
- Devias estar assustada. Chegou a tua vez. Sabes, nunca gostei que vivesses aqui comigo, mas os tios insistiram. Disseram que podias incutir-me alguma responsabilidade. Essa foi de gritos. Vivo como quero, dinheiro não me falta. Não preciso de mais nada. Agora, faz-me um favor, grita à-vontade. Podes ter a certeza, que aqui ninguém te ouve…
Texto ficcionado para a Fábrica de Histórias.