A casa estava vazia. Vazia de discussões, de falsas modéstias.
A minha mãe estava na sala, sentada no sofá de pele, a ver televisão, aguardando pacientemente que as seis horas da tarde chegassem para dizer mais uma vez o adeus ao meu pai.
A empregada de limpeza, com um sorriso leve, retirou-se, antevendo o ataque entre mãe e filha.
- O que estás aqui a fazer? - perguntou, áspera, levantando-se - O que estás a fazer aqui, sua ingrata? - repetiu, os seus olhos lançando faíscas de ódio.
- Sabes perfeitamente o que estou aqui a fazer. Vim à missa de sétimo dia do pai - respondi, tentando mostrar-me serena.
- Devias ter ido directamente para a igreja, não para aqui. Deixaste há muito tempo de ter o direito de entrar aqui. Esta deixou de ser a tua casa, Diana! Lá por teres estado aqui no funeral do teu pai, isso não te dá o direito de voltares a entrar aqui como se ainda cá morasses.
- Sim, tens razão, mãe. Vim só ver como estavas, mas parece que não precisas de nada.
- A única coisa de que precisava era do teu pai. Mas tu e a morte trataram de mo tirar!
- Eu?! Como assim? - engasguei.
- Sai daqui, Diana. Sai daqui! - gritou a plenos pulmões.
Encolhi-me, tal era a ira da minha mãe contra mim.
Não obstante o facto dela não acreditar na violência que o meu pai exercia sobre mim, até tinha sido boa mãe. Levava-me à escola, à natação, às aulas de música, ajudava-me a fazer os trabalhos de casa, cuidava de mim quando estava doente... Sim, no fundo, até tinha desempenhado um bom papel, mas parecia que a rivalidade tinha-se acentuado nos últimos anos em que eu vivera com eles e algo que eu ainda não entendera, tinha acontecido, para aumentar o ódio dela.
Entrei no carro e respirei fundo.
Apesar de há muitos anos não saber o que era ter mãe, sentia ainda falta de algo que tive poucas vezes: aprovação, orgulho. Para a minha mãe, eu não passava de uma pessoa ingrata, que não dava valor a tudo o que tinham feito por mim, que tinha roubado os meus próprios pais. A minha mãe reduzira-me a isso. Nunca fizera questão de me conhecer, apenas queria saber onde estava, com quem estava, se não fazia asneiras e, acima de tudo, se não os deixava ficar mal perante a vizinhança e a família. Mas era inevitável para uma criança e pior ainda para uma adolescente, sob constante vigilância e com as hormonas em alta, não contrariar as regras impostas. Talvez por isso, a dada altura, a companhia do Ricardo não fosse bem aceite, mesmo sendo filho da melhor amiga da minha mãe.
Cheguei à igreja faltavam quinze minutos para o início da cerimónia. Algumas pessoas, entre vizinhos, colegas de trabalho e alguma família, já tinham chegado e formavam pequenos grupos no adro.
Estacionei o carro e mantive-me no seu interior, até as pessoas começarem a entrar. Afastada de todos como a minha mãe queria...
Assisti à missa na entrada da igreja, sentada, timidamente, no primeiro banco que se encontrava à minha esquerda.
- Preciso de falar contigo - disse o Ricardo, sentando-se discretamente ao meu lado, no fim do discurso do padre, quando todas as pessoas já tinham passado por mim, com um olhar desconfiado.