A escolha pelo restaurante recaiu num acolhedor espaço em Canelas.
O Ricardo conhecia uma dos empregados de mesa e como tal tinha a certeza de que íriamos ser muito bem servidos.
Pizza de atum e lasanha foram as recomendações dele e acabei por optar pela segunda, sabendo de antemão que ambas as refeições seriam totalmente caseiras e feitas em forno a lenha.
- Esta deve provavelmente a primeira vez que jantamos juntos sem termos que nos esconder de ninguém - comentou o Ricardo, enquanto aguardávamos pelo repasto.
- Sim - concordei.
- Sabes que estarmos juntos assim, traz-me muitas recordações... Lembraste quando costumávamos sair juntos quando éramos miúdos? Os nossos pais gostavam de se juntar e dar passeios. Gostavam de nos dar a conhecer vários sítios, especialmente aqui no norte.
- O problema é que nós nas estávamos interessados nisso - continuei.
- Como podíamos? - interrompeu, enquanto bebia um pouco de cerveja - Tínhamos seis, sete anos. Estávamos mais interessados em brincarmos, em andarmos atrás um do outro, a pregarmos partidas.
- O meu pai é que não achava muita piada a isso - lamentei - Estava sempre a ralhar-me. 'Porta-te bem', dizia ele. 'És minha filha, tens que te comportar'.
- Mas eu não te deixava ficar sossegada. Estava sempre a picar-te. Fosse onde fosse - bebeu mais um gole e o seu olhar ficou triste - Por minha causa, levaste muitas tareias, não?
- Não sei se a culpa foi só tua. Era a maneira do meu pai me educar e as pessoas achavam bem - afirmei, pegando pela primeira vez no meu copo de cerveja.
- Eu não achava bem.
- Mas eras um puto, o que podias tu fazer?
- Talvez deixar de me meter tanto contigo. Lembro-me daquela vez que começamos a correr dentro de uma igreja. Devo admitir que não era o melhor local para brincarmos, mas... O teu pai pegou em nós e levou-nos cá para fora. Berrou-me, dizendo que não sabia estar quieto e que tinha que levar um correctivo, mas que isso era função dos meus pais. Depois virou-se para ti, deu-te um valente estaladão na cara, que até deixou marca e disse-te que se a partir daquele momento não te portasses bem, levavas outro igual e ia trancar-te no caro, enquanto nós passeávamos. E estava um calor nesse dia... Tu nem uma lágrima derramaste...
- Não, porque o meu pai dizia-me sempre que não se deve chorar em público, acontecesse o que acontecesse - rematei.
Entretanto, o conhecido do Ricardo serviu-nos, avisando que os pratos estavam quentes, mas o aroma era tão delicioso, que era impossível aguardar que a comida arrefecesse.
- Cuidado, vais-te queimar - avisou ele. - Gulosa! - exclamou, vendo a minha tentativa falhada de comer um pedaço de lasanha.
- Já sabes como sou! - respondi, rindo-me.
- Acho que ainda sei. Foram muitos anos juntos, muitas aventuras, muitas primeiras vezes...
- É verdade! O nosso primeiro beijo correu tão mal! - recordei, saudosista, rindo daquele momento que tinha mais de dez anos.
- Ficámos meses sem falarmos sobre isso e só depois de mais uma vez teres vindo chorar no meu ombro, é que voltamos a beijar-nos. E aí sim, aí foi como se estivéssemos a beijar-nos pela primeira vez - comentou, dando mais uma dentada na pizza.
- Depois ficámos na dúvida se havíamos de continuar a fazê-lo e quando demos por isso, já tínhamos feito amor pela primeira vez no meu quarto.
- E o teu pai quase me apanhava de calças na mão!
Soltámos ambos uma estridente gargalhada ao visualizarmos novamente aquele episódio das nossas vidas.
Mas a conversa entre bons e velhos amigos foi interrompida pelo toque do meu telemóvel. Era o Tiago.