A Filipa tinha-se mudado de um modesto apartamento no centro de Lisboa para um luxuoso no Barreiro. Tinha três quartos espaçosos, um deles para a sua menina de um ano e meio, uma sala ampla, bem decorada e provida de uma excelente luz natural, com duas portas de vidro de correr, que davam acesso a uma varanda, onde tinha uma mesa e duas cadeiras verdes de plástico.
Era a primeira vez que ali estava. Com tantos convites e um tempo demasiado ocupado com os trâmites legais e comerciais da loja, nunca tinha conseguido encaixar aquela visita na minha agenda. E agora, de repente, tinha sido tão fácil...
Reflectindo no momento em que entrei em casa, reparei que o que me impedira tinha sido o medo de verificar que me tinha arrependido de deixar a minha vida em Lisboa para regressar ao Norte. E, de facto, pensava nisso com frequência, especialmente por no último ano a minha relação com o Tiago ter sido pautada por imensas - demasiadas mesmo - discussões. Porque é que decidira aquilo para a loja? Porque é que optara por aquele produto e não por outro? Porque é que decorara a loja assim? Porque é que gastara tanto dinheiro? Mas acima de tudo: porque é que dedicava tanto tempo à loja em vez de pensar na possibilidade de ter filhos...
Enfim...!
Mas aqueles dias de refúgio serviam como uma fuga a toda esta confusão e, ao mesmo tempo, aproveitava para falar - ou desabafar - com a minha amiga Filipa, que eu tinha conhecido anos antes, depois dela ter trabalhado por breves momentos na empresa onde eu estava, como operadora de call-center.
Tomei um banho rápido e instalei-me no quarto de hóspedes, que tinha apenas a mobília essencial, sem grandes objectos que identificassem o seu uso habitual. A cama de casal tinha uma colcha rendada branca feita pelas mãos calejadas pelo campo da avó do marido da Filipa, o Mário. Os lençóis de um azul-céu límpido, com um padrão indecifrável. Sentei-me e senti a suavidade do fino algodão tocar na minha pele.
- Estás confortável? - perguntou a Filipa encostada à porta da entrada. - Se tiveres frio, tens aqui cobertores. - apontou para o armário e depois sentou-se ao meu lado na cama - Temos muto que conversar, mas deixemos isso para amanhã. Descansa bem, faz de conta que est´+as em tua casa. Amanhã falamos. Boa noite. - Acariciou-me o rosto com as costas da mão esquerda, afagou-me o cabelo castanho claro e saiu.
No momento em que a porta se fechou, encostei-me à cabeceira de carvalho liso e encolhi as pernas, ficando os joelhos à altura do meu peito. As lágrimas que tinham surgido na altura de carinho da Filipa e, que eu tinha reprimido, finalmente cederam perante o quarto estranho e vazio.