O dia seguinte foi pautado por dois pensamentos: a proposta que o Tiago me fez de regressar a Lisboa e largar tudo e todos e o beijo intenso que tinha trocado com o Ricardo.
Não me questionava se gostava mais de um ou de outro, não me perguntava por qual optaria, se chegasse a surgir essa necessidade.
Não era sequer uma equação existente, porque havia pelo menos um facto: tinha decidido separar-me do Tiago já há quase três meses. O problema em causa eram os meus sentimentos por ele e se estes se mantinham praticamente inalteráveis desde o momento em que nos conhecemos. Sim, porque a amizade e o amor que sentia pelo Ricardo apenas tinham ficado num canto do meu inconsciente, a aguardar o momento mais oportuno de reaparecerem...
Sem pedir qualquer tipo de esclarecimento, até porque achava que não o devia fazer, a Adriana mal entrou na loja pela manhã, dirigiu-se a mim e pediu-me desculpa por não me ter dito que se ia encontrar com o Tiago fora do horário de trabalho.
- A sério, Diana, só o fiz porque queria saber o que se passava convosco... Quando vos conheci, vocês pareciam sempre tão felizes e agora...
- As aparências iludem, Dri - ataquei.
- Fiquei preocupada com a sua conversa de sexta-feira - continuou ela - Não me quis dizer para onde ia, para não dizer a ninguém...
- Isso já passou, Adriana. Não é preciso voltarmos a tocar no assunto.
Inclinou-se mais um pouco no balcão, posição que praticamente mantinha desde que chegara e baixou o tom de voz, quase num sussurro:
- Desculpe estar a perguntar, mas está tudo bem?
- Sim, está tudo bem - menti.
- Desculpe estar a insistir, mas já me tinha dito que você e o Tiago não viviam juntos, mas tinham ficado amigos, portanto sempre pensei que acabariam por se entender... Mas depois de sexta-feira... Achei que realmente algo de grave tinha acontecido...
Nas inúmeras horas livres que tínhamos na ausência de clientes, conversávamos sobre vários assuntos, mas da minha parte nunca me alongava muito.
Reparara, pouco tempo depois de contratar a Dri, que ela se apegava com facilidade às pessoas e, como tal, criara uma certa dependência de nós os dois, ainda que acompanhada por um certo ciúme e uma paixoneta pelo Tiago, que esta não alimentava, mas que lhe fazia muito bem ao ego.
A confiança que existia entre nós era suficiente para a relação profissional resultar - ela era muito boa vendedora - e era aparentemente segura para contarmos coisas uma à outra.
Não éramos amigas, éramos colegas de trabalho. Mas isto era o meu ponto de vista...
Nas longas horas de solidão comercial, entre uma leitura de jornal ou de uma revista cor-de-rosa, a Adriana confidenciava-me determinadas situações da sua vida privada, que eu não era capaz de contar, se não considerasse a minha ouvinte uma amiga.
Como tal, foi com alguma relutância que sentia aquela preocupação.
- Eu e o Tiago vamo-nos divorciar. Agora é mesmo definitivo - afirmei. Sempre que dizia isto, as minhas palavras eram acompanhadas por um certo friozinho no estômago.
Eu continuava a gostar muito dele, mas não sabia se era suficiente para aguentar as longas ausências passadas no café com supostos amigos, as exigências como lojista e dona de casa, mas acima de tudo, a relutância do Tiago em me aceitar como uma pessoa com um passado violento e repressor e em me aceitar, até esta altura, como uma pessoas não maternal...