Sentei-me no sofá da sala de paredes beges, sabendo que já foi – e voltará a ser – um local onde já partilhamos muitos momentos a sós, nas tardes frias de inverno, com a lareira acesa, mesmo à nossa frente.
Estás longe…
Peguei numa folha branca e numa caneta e comecei a desenhar algumas letras. Tinha tantas saudades tuas, tantas coisas para te contar e não sabia como…
Ergui a cabeça e olhei pela janela grande. Tinha colocado a cortina laranja para trás para poder ver o movimento exterior: pessoas a pé, acompanhadas por outras, carros, o metro…
Sentia-me sempre muito segura ali, mesmo sem a tua presença física. Mas conseguia imaginar-te a entrar devagarinho na sala, como muitas vezes fazias após um dia de trabalho, para não me incomodares nas minhas constantes ausências de consciência, em que vagueava lentamente pela minha imaginação. Era então que, com cuidado, puxavas o cobertor fino axadrezado, de cor bege e laranja para cima, aconchegando-me. O símbolo chinês bordado em castanho em ponto grande, que o povoava mesmo no centro, era estranho para nós, mas gostávamos de pensar que significaria amor, pois era exactamente aquilo que sentíamos um pelo outro. Depois tiravas os sapatos pretos, deixando-os em cima do extenso tapete, colocado entre o sofá e o móvel negro da televisão, exactamente com as mesmas cores do cobertor e sentavas-te no exíguo espaço do sofá, que eu não ocupava. Sabia que ficavas ali por alguns minutos, observando-me, acariciando os meus cabelos longos pretos.
Mas agora estás longe…
O incenso de morango começava a deixar o seu saboroso aroma no ar, deixando-me ainda com uma maior saudade.
Eu estou em Portugal e tu estás há mais de duas semanas em França. Tão longe e tão perto.
Escrevo-te. Escrevo-te aqui na nossa sala, com receio de não conseguir transmitir todos os meus sentimentos pelo telefone.
Sentes saudades minhas?
A fotografia grande, que ocupa a parede onde está o aparador preto, mostra um dos momentos mais felizes da nossa curta vida em conjunto. Estávamos na praia de Salgueiros, em Gaia, e acompanhava-nos um pôr-do-sol magnífico. Tínhamos acabado de descobrir que íamos ser pais…
Mas agora eu estava sem ti, com o nosso gato malhado aninhado aos meus pés, e o nosso bebé de quatro meses a dormir tranquilamente no sofá preto, de tecido sintético, embrulhado cuidadosamente no pequeno cobertor branco.
Levantei-me e dirigi-me para a mesa oval negra, que tinha o computador portátil ligado e uma taça de vidro decorativa. Sentei-me numa das quatro cadeiras de madeira, também pretas, de tecido bege.
Lembrava-me que tínhamos sido muito exigentes na decoração da nossa sala, pois queríamos sentirmo-nos bem dentro do nosso lar.
Abri um documento de texto e comecei a transpor as palavras que tinha escrito na folha. Não tinha conseguido descrever exactamente aquilo que queria. As saudades eram tantas e acabei por te falar das pequenas aventuras que tinha tido com a nossa filha, durante a tua ausência. Ela estava tão bonita e parecia que nestes parcos dias que já não estavas connosco, ela tinha crescido tanto…
Enviei-te por e-mail aquilo que consegui desabafar e desliguei o computador.
Tornei a olhar em volta para a nossa sala.
As estantes, recheadas de livros que se debruçavam sobre vários temas, faziam-me lembrar o nosso intenso gosto pela leitura. Dirigi-me às duas estantes de mogno e tirei o livro ‘A insustentável leveza do ser’, de Milan Kundera, que me tinhas oferecido há uns anos e que eu tinha devorado em poucos dias. Decidi recordar esse romance, enquanto o sono comandava as acções da nossa menina.
Voltei a sentar-me no sofá e após alguns minutos embrenhada naquelas páginas, ouvi a porta da sala ranger devagarinho. Eras tu. Tinhas voltado para mim, fazendo-me uma surpresa. A formação que tinhas ido fazer pela empresa onde trabalhavas tinha acabado e agora juntos, podíamos regressar ao nosso blog e continuar a escrever, ali no conforto da nossa sala, sobre o desenvolvimento da nossa primeira filha.
Texto escrito para o blog 'Fábrica de Histórias'.