- Se não penso em querer mais para mim?! É uma boa pergunta... Sinceramente, não penso muito nisso, como te disse, tenho o Dinis e o meu...
- Juliana! - gritou uma voz feminina vinda do corredor. - De quem é aquele carro que está ali fora? Estás com visitas?
A mulher aproximava-se cada vez mais.
- É a minha sogra - disse Juliana, desviando o olhar e baixando a cabeça, envergonhada. Começava a sentir-se tensa, muito tensa.
- Ex-sogra - corrigiu ele mais uma vez, erguendo o rosto dela com o dedo indicador direito, esboçando um sorriso de empatia.
A mulher de idade apresentou-se com um fato em tweed, em tons rosa, e o cabelo grisalho bem arranjado. Tinha um aspecto austero e impaciente.
- A tua companhia é um homem? O que é que fazes com um homem na casa do meu filho?
Juliana levantou-se do sofá. Tentou recompor-se da visita inesperada daquela mulher odiosa, respirando fundo, e apresentou o Rafael como colega de trabalho, esclarecendo a posição dele na empresa, sabendo de antemão que a sogra dava muita importância à posição profissional, ainda que nada fosse suficiente para os seus parâmetros, tal como sucedeu com o filho.
- Isso não me interessa tão-pouco, porque não me vais dizer que estás numa reunião de trabalho. Não me enganas, sua interesseira, não vou permitir que comeces a meter desconhecidos aqui na mesma casa onde o meu neto vive.
- Desculpe, mas acho que isso não lhe dá o direito de ofender a Juliana - avançou Rafael, que entretanto se colocou ao lado dela.
- Não o vou desculpar, até porque nem sequer lhe dei autorização para me dirigir a palavra - respondeu, com azedume.
- Esta mulher é doida! - exclamou rapidamente, virando-se para Juliana.
Finalmente, Juliana conseguiu reagir àquela troca de palavras e pediu que ele a acompanhasse até à porta.
- Já me esquecia que afinal havia um terceiro motivo - comentou ironicamente, mais para si própria. - Rafael, não tens que assistir a este drama todo que a minha sogra faz questão de fazer. Peço-te que vás embora agora.
- Sim, tens razão. Não vale a pena perder a calma por causa desta senhora. Se precisares de alguma coisa, não hesites em me ligar, está bem?
Ele passou a mão pelo rosto dela, deslumbrado com a sua fragilidade. Costumava mostrar-se tão forte, decidida e independente...
Ela afastou-se, incomodada pelo acto carinhoso e bondoso dele.
- Se te perderes ao sair daqui, telefona-me, mas acho que não vai ser necessário se seguires as minhas instruções. Agora vai- te embora.
Entrou em casa e fechou a porta atrás de si. Moveu por várias vezes os ombros no sentido vertical, para tentar diminuir a tensão, mas só havia uma solução: respirar fundo e enfrentar o monstro que tinha na sala, com a mesma tenacidade com que enfrentava os colegas de trabalho e a vida.
Fim do primeiro capítulo